A despedida de J. Borges, que fez das xilogravuras crônicas dos nordestinos
"Fiquei feliz de levar sua arte até o Papa", lembrou o presidente, ao lamentar a morte do artista pernambucano nesta sexta, aos 88 anos. Quadro "Jesus, Maria e José. A Sagrada Família" de Borges
Morreu nesta sexta-feira (26) aos 88 anos por causas naturais o xilogravurista, cordelista, poeta e “patrimônio vivo de Pernambuco” José Francisco Borges, conhecido como J. Borges. O artista plástico nasceu em 1935 na cidade pernambucana de Bezerros, onde sempre manteve seu ateliê.
Amigo de J.Borges, o ilustrador e quadrinista pernambucano Jô Oliveira diz que J.Borges é “o mais famoso artista popular brasileiro”. “Além de talentoso, sempre foi uma pessoa muito modesta, que tinha muita paciência para mostrar os materiais que utilizava, bem como suas técnicas”, disse o ilustrador cujos trabalhos, a exemplo de J.Borges, têm como base a cultura popular nordestina, em especial o cordel.
“Eu o encontrei pela primeira vez no início da década de 1980. Morava em uma casa bem simples e dirigia um carro que nem painel tinha. Ele usava, como ferramenta, uma faca de mesa com cabo e um pedacinho de lâmina pequeno, de 2 ou 3 centímetros, para fazer as gravuras”, lembra Jô Oliveira.
Homenagem de Jô Oliveira ao J. Borges.
O artista e a personagem do cordel
A Chegada da Prostituta no Céu
Outra coisa marcante citada por Oliveira é o fato de que J.Borges fazia questão de vender suas obras a preços acessíveis. “Isso o tornava ainda mais popular. Ele me dizia que o importante era vender em grande quantidade. Não à toa, durante a pandemia, era comum ver entrevistados nas TVs que tinham, ao fundo, obras deles em suas paredes das residências.”
A morte do artista foi comentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas redes sociais. “Nos despedimos hoje de José Francisco Borges, o J. Borges, um dos maiores xilogravuristas do país. Autodidata, começou a trabalhar muito cedo no agreste pernambucano. Fiquei muito feliz de poder levar sua arte até o Papa. Meus sentimentos aos familiares, amigos e admiradores deste grande artista do nosso país”, postou o presidente.
Presidente Lula presenteia papa
Francisco com obra Jesus, Maria e José.
A Sagrada Família de J. Borges, durante
visita em junho de 2023 (Vatican News)
A direção do Banco do Brasil também divulgou nota em que lamenta a morte de J. Borges. "Com sua arte, levou a cultura de Pernambuco e do Nordeste para os quatro cantos, com reconhecimentos nacionais e internacionais", diz o texto. "Durante a sua vida, J. Borges nos entregou o seu coração através da sua arte de diversas formas. No Coração da Poesia, ele disse que 'o coração é um órgão que trabalha noite e dia, uma hora traz desgosto outra traz muita alegria, é quem inspira o poeta e de onde sai poesia'."
O observa ainda que J.Borges foi reconhecido em exposições em seus Centros Culturais no Rio, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte e registra que sua arte e da sua família também estão permanentemente expostas na unidade do BB inaugurada no último mês de março no Recife Antigo.
"Com a obra o Coração na Mão (abaixo), ele presenteou o seu coração aos nordestinos e ao mundo, por exemplo. Bacaro e Pablo, nossos mais profundos sentimentos. Vocês são o legado do Mestre que estará para sempre em nossos corações. Como apoiador e incentivador da cultura e diversidade brasileiras, o Banco do Brasil se solidariza à dor da família com as mais sinceras condolências neste momento de grande perda", finaliza.
Exposição
Quem quiser conhecer o trabalho de J.Borges pode ir ao Museu do Pontal, no Rio de Janeiro. A exposição vai até 25 de março de 2025.
O curador e diretor-executivo da exposição, Lucas Van de Beuque, falou, em junho à Agência Brasil, que J. Borges estava entre os maiores artistas vivos brasileiros, com obras expostas desde o Museu Louvre, de Paris, na França, até equipamentos culturais no Brasil e também em coleções privadas.
Segundo o curador, a exposição no Museu do Pontal mostra a trajetória do artista “desde os primeiros estudos de cordéis que ele fez até as últimas obras, como a Sagrada Família, que foi dada ao Papa Francisco no ano passado pelo presidente Lula, representando a arte popular do Brasil, e a obra O coração na mão, que ele fez recentemente e é um grande sucesso”, disse Van de Beuque.
Artista
As xilogravuras de J. Borges ganharam admiradores de peso, como o escritor Ariano Suassuna. O artista tem vários prêmios, como a comenda da Ordem do Mérito Cultural, o prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na categoria Ação Educativa/Cultural e o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco.
J. Borges fez também exposições nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, Suíça, Itália, Venezuela e Cuba.
Foi também ilustrador de capas de livros de escritores como Eduardo Galeano e José Saramago. Além disso, foi fonte de inspiração para documentários e para o desfile da escola de samba Acadêmicos da Rocinha, em 2018.
Quando criança, J. Borges talhava madeira para fazer colheres de pau e brinquedos artesanais, para vendê-los nas feiras de sua região. Foi também durante a infância que começou a vender livros de cordel – literatura à qual se dedicou com mais intensidade aos 21 anos.
Ele foi condecorado com a comenda da Ordem do Mérito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Recebeu também o prêmio Unesco na categoria Ação Educativa/Cultural e, em 2002, foi um dos 13 artistas que ilustraram o calendário anual das Nações Unidas.
Em maio de 2022, o artista participou do programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, sobre xilogravura. Veja, abaixo, o episódio.
Xilogravura: a maestria da madeira
Editado por Paulo Donizetti de Souza/Agência Gov para acréscimo de informações e imagens
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