Lula defende reforma da arquitetura financeira: 'A globalização neoliberal fracassou'
Em discurso na abertura da 2ª Sessão da Cúpula do G20, Lula recordou de erros cometidos, como na crise financeira de 2008: "Escolheu-se salvar bancos, ao invés de se ajudar pessoas"
Na abertura da segunda sessão do encontro de líderes do G20, no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu uma ampla reforma do sistema financeiro global, que inverta as prioridades, colocando vidas humanas em posição superior à de bancos.
Para reforçar a necessidade da reforma, Lula recordou-se da crise financeira de 2008: "O ímpeto reformador foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e a apologia do Estado mínimo. Naquele momento, escolheu-se salvar bancos em vez de ajudar pessoas. Optou-se por socorrer o setor privado em vez de fortalecer o Estado. Decidiu-se priorizar economias centrais em vez de apoiar países em desenvolvimento. O mundo voltou a crescer, mas a riqueza gerada não chegou aos mais necessitados. Não é surpresa que a desigualdade fomente ódio, extremismo e violência. Nem que a democracia esteja sob ameaça. A globalização neoliberal fracassou".
Leia o discurso:
"A história do G20 está entrelaçada com os abalos sofridos pela economia global nas últimas décadas.
Ações oportunas evitaram que a crise de 2008 redundasse em um colapso de proporções catastróficas.
O ímpeto reformador foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e a apologia do Estado mínimo.
Naquele momento, escolheu-se salvar bancos em vez de ajudar pessoas.
Optou-se por socorrer o setor privado em vez de fortalecer o Estado.
Decidiu-se priorizar economias centrais em vez de apoiar países em desenvolvimento.
O mundo voltou a crescer, mas a riqueza gerada não chegou aos mais necessitados.
Não é surpresa que a desigualdade fomente ódio, extremismo e violência. Nem que a democracia esteja sob ameaça.
A globalização neoliberal fracassou.
Em meio a crescentes turbulências, a comunidade internacional parece resignada a navegar sem rumo por disputas hegemônicas.
Permanecemos à deriva, como se arrastados por uma torrente que nos empurra para uma tragédia.
Mas o confronto não é uma fatalidade.
Negar isso é abrir mão da nossa responsabilidade.
Em torno desta mesa estão os líderes das maiores economias e blocos regionais do planeta.
Não há ninguém em melhor posição do que nós para mudar o curso da humanidade.
Este ano, a reforma da governança global entrou em definitivo na agenda do G20.
Pela primeira vez, o grupo foi à ONU e aprovou, com o endosso de outros quarenta países, um Chamado à Ação.
Mas esse chamado é apenas um toque de despertar.
A omissão do Conselho de Segurança tem sido ela própria uma ameaça à paz e à segurança internacional.
O uso indiscriminado do veto torna o órgão refém dos cinco membros permanentes.
Do Iraque à Ucrânia, da Bósnia a Gaza, consolida-se a percepção de que nem todo território merece ter sua integridade respeitada e nem toda vida tem o mesmo valor.
Intervenções desastrosas subverteram a ordem no Afeganistão e na Líbia.
A indiferença relegou o Sudão e o Haiti ao esquecimento.
Sanções unilaterais produzem sofrimento e atingem os mais vulneráveis.
As instituições de Bretton Woods impuseram obstáculos aos próprios objetivos de desenvolvimento sustentável que deveriam promover.
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Impasses recentes em torno do Tratado de Pandemias, do Pacto para o Futuro e da COP da biodiversidade de Cáli mostram que a diplomacia vem perdendo terreno para a intransigência.
Não deve haver debates interditados, nem linhas vermelhas intransponíveis.
Por isso, o Brasil propôs, em Nova York, a convocação de uma conferência de revisão da Carta da ONU, nos termos do artigo 109.
Apenas 51 dos atuais 193 membros das Nações Unidas participaram de sua fundação.
Também é urgente rever regras e políticas financeiras que afetam desproporcionalmente os países em desenvolvimento.
O serviço da dívida externa de países africanos é maior que os recursos de que eles dispõem para financiar sua infraestrutura, saúde e educação.
A cooperação tributária internacional é crucial para reduzir desigualdades.
Estudos encomendados pela Trilha de Finanças do G20 são reveladores.
Uma taxação de 2% sobre o patrimônio de indivíduos super-ricos poderia gerar recursos da ordem de 250 bilhões de dólares por ano para serem investidos no enfrentamento dos desafios sociais e ambientais do nosso tempo.
A estabilidade mundial depende de instituições mais representativas. A pluralidade de vozes funciona como vetor de equilíbrio.
O futuro será multipolar. Aceitar essa realidade pavimenta o caminho para a paz.
Também é chave na construção de uma governança que maximize as oportunidades e mitigue os riscos da Inteligência Artificial.
A resposta para a crise do multilateralismo é mais multilateralismo.
Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita.
Em 1940, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade escreveu um poema chamado “Congresso Internacional do Medo”, que traduzia o sentimento prevalente em meio à Segunda Guerra Mundial.
Para evitar que o título desse poema volte a descrever a governança global, não podemos deixar que o medo de dialogar triunfe.
Muito obrigado, companheiros."
Assista ao pronunciamento do presidente e à cobertura do Canal Gov
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