Estudo avalia efeitos neurotóxicos de drogas sintéticas no cérebro
Foram verificados os impactos de cada um deles no hipocampo, estrutura cerebral que atua na formação de novas memórias, no aprendizado e na regulação das emoções
Embora sejam proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as drogas sintéticas, substâncias químicas que atuam no sistema nervoso central e provocam alucinações, são comercializadas ilegalmente, com o argumento de serem menos prejudiciais do que outras drogas. Na Fiocruz Minas, um estudo avaliou os efeitos da exposição prolongada a dois desses compostos sintéticos, 25H-NBOMe ou 25H-NBOH, verificando os impactos de cada um deles no hipocampo, estrutura cerebral que atua na formação de novas memórias, no aprendizado e na regulação das emoções. Os resultados mostraram que as duas drogas perturbam o equilíbrio entre as células cerebrais, por interferir na formação de novos neurônios, além de causar a morte deles.
Além dessa análise fenotípica, em que se avaliam as características morfológicas das células e do tecido, os pesquisadores fizeram uma análise molecular, verificando a expressão de genes, de forma a trazer mais clareza aos resultados obtidos (Foto: Fiocruz Minas)
Para fazer a investigação, os pesquisadores usaram o modelo ex-vivo, que são experimentos realizados em órgãos e tecidos fora do organismo, mas mantidos em meio de cultura de forma a preservar as características estruturais e celulares do tecido original. Para este estudo, fatias de hipocampo de ratos criados em laboratório foram incubadas na presença de uma pequena dose de 25H-NBOMe ou 25H-NBOH durante sete dias e, em seguida, por igual período sem as drogas. Tais amostras foram comparadas a um grupo de controle que não recebeu nenhuma das duas drogas.
“Avaliamos os efeitos de cada uma das drogas no decorrer desse período e constatamos uma redução de neurônios maduros a partir do segundo dia de cultivo com 25H-NBOMe e a partir do sétimo dia de cultivo com 25H-NBOH. Observamos que, mesmo sete dias após a retirada das duas drogas, a densidade neuronal permaneceu reduzida, em comparação ao grupo de controle. Além disso, no caso do composto 25H-NBOH, o efeito neurotóxico permaneceu, havendo perda de neurônios mesmo depois da retirada da droga”, explica o pesquisador Roney Coimbra, coordenador do estudo.
Os resultados mostraram também que a exposição a 25H-NBOH induziu a neurogênese, que é o processo de formação de novos neurônios, o que poderia ser considerado um efeito positivo. Entretanto, os pesquisadores verificaram que esses novos neurônios não expressam características de neurônios maduros, permanecendo imaturos. “Podemos dizer que houve uma neurogênese incompleta. Com isso, o processo de formação de novos neurônios induzido por 25H-NBOH, em vez de positivo, pode estar contribuindo para um esgotamento das células progenitoras, isto é, aquelas que dão origem a novas células. Ou seja, compromete-se o plantel de células progenitoras, sem gerar efeitos benéficos”, explica o pesquisador.
Análise molecular
Além dessa análise fenotípica, em que se avaliam as características morfológicas das células e do tecido, os pesquisadores fizeram uma análise molecular, verificando a expressão de genes, de forma a trazer mais clareza aos resultados obtidos. Nessa fase, constatou-se que ambas as drogas ativam genes relacionados à excitabilidade, que é a capacidade da célula de responder a estímulos, e à transmissão sináptica, ou seja, o processo de transmissão de informações entre os neurônios. Tal efeito se verifica mesmo após a retirada das drogas. Verificou-se ainda que os dois compostos sintéticos inibem a resposta inflamatória, característica presente em outros entorpecentes, como o LSD. Outra importante constatação é que as duas drogas ativam a expressão de genes relacionados ao estresse oxidativo e ao vício.
“Observamos que os dois compostos ativam o sistema de recompensa e isso acende o sinal de alerta, pois indica que elas causam dependência. Com o tempo, os neurônios podem se tornar menos sensíveis ao uso da droga, exigindo doses cada vez maiores para gerar a sensação de prazer”, ressalta Coimbra.
Os dados revelados no estudo podem contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas antidrogas. Mas, segundo o pesquisador, é importante destacar que novas pesquisas precisam ser feitas, visando ampliar a compreensão sobre o tema. Ele lembra que, embora o modelo ex-vivo preserve as características estruturais e celulares do tecido cerebral, não permite avaliar efeitos sistêmicos da droga em todo o organismo. Ele destaca ainda que pode haver variações na resposta individual às drogas, devido às diferenças na saúde mental de cada pessoa e no ambiente social.
“Ainda há muito o que se investigar. Novas pesquisas precisam ser realizadas, de forma a se avançar na avaliação dos impactos dessas drogas em outras regiões do cérebro. Também seria interessante fazer um estudo de curva cinética, empregando várias dosagens das drogas, que se aproxime dos níveis encontrados no sistema nervoso central dos usuários”, afirma.
Controle
Identificadas pela Anvisa como novas sustâncias psicoativas, as drogas sintéticas são, em sua maioria, moléculas desenhadas para driblar os órgãos de controle, ao manterem os efeitos de outras substâncias já proibidas. “Por isso é tão importante colocarmos esse tema em pauta, falar dos riscos que representam à saúde, pois são drogas que estão chegando ao Brasil de forma muito rápida. Controlar a entrada de tais substâncias é difícil, pois, a mudança de um único átomo na composição, já as retira da lista de substâncias proscritas. Além disso, muitas dessas drogas são mais baratas, tornando-as acessíveis a diversas classes sociais”, alerta Coimbra.
Ainda conforme o pesquisador, entre os problemas causados pelo uso dessas drogas estão convulsão, pânico, taquicardia, hipertensão, agressividade, agitação, entre outros. Desenvolvido em parceria com os pesquisadores Ângelo de Fátima e Wellington Alves de Barros, do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais, o estudo contou com a participação das estudantes Larissa Marcely Gomes Cassiano e Marina da Silva Oliveira, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Fiocruz Minas.
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