Especial MCTI: Cientistas amazônidos aliam conhecimento científico ao tradicional
Nascidos, formados e trabalhando para aprofundar e descobrir novos conhecimentos sobre a maior floresta tropical do mundo, pesquisadores relatam a experiência de ser um cientista amazônido
Os pesquisadores brasileiros Cleo Quaresma Dias Júnior e Yago Santos têm algumas coisas em comum. Nascidos na região Norte, em diferentes cidades do Pará, cresceram com a floresta e os igarapés como “quintal”, se especializaram por meio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e integram o programa científico da Torre Alta da Amazônia (ATTO).
Quaresma relata o orgulho de fazer ciência sobre o seu território. “Eu nasci na Amazônia, estudei praticamente a vida inteira na Amazônia e ter a oportunidade entender a floresta, na qual eu sempre estive, mas entender agora de uma maneira científica, é especial”, afirma o professor do Instituto Federal do Pará (IFPA).
Ele acompanhou os primeiros passos e as primeiras medidas realizadas pelo projeto ATTO em meados de 2011, quando ainda era aluno de doutorado. Hoje, integra o grupo de pesquisadores na área de micrometeorologia da ATTO, um campo de estudo bem específico que está atento aos processos e fenômenos físicos entre a floresta e a atmosfera. O trabalho está desbravando a fronteira do conhecimento e demonstrando que atuais leis da física não são adequadas para explicar alguns processos atmosféricos na Amazônia.
No último patamar da Torre Alta, enquanto olha o horizonte em que o céu e a floresta se fundem, Quaresma relata o orgulho de ser um amazônida. “Quem é da Amazônia sempre entendeu a importância da floresta, mas a partir de uma visão não-científica. Complementar com uma visão científica, entender a importância dela no cenário global, para a população global e tentar ajudar de alguma forma por meio da ciência, com orientação de aluno, com produção de ciência, isso traz um gostinho bastante especial”, conta.
Atualmente, ele orienta nove estudantes de mestrado e doutorado em Belém (PA) e Manaus (AM).
Conhecimento tradicional somado ao científico
Há mais de um ano, Yago Santos é o técnico responsável pelas amostras de dois experimentos importantes realizados na Estação Científica Uatumã. Ele supervisiona a coleta automatizada de gases de efeito estufa, que consegue diferenciar partículas fósseis das emitidas pela floresta por meio de um equipamento instalado no topo da torre, e de água da chuva, que penetra em uma placa de cerâmica instalada no solo em diferentes pontos da floresta. “É para entender como o ciclo do carbono e o ciclo da água estão interligados nessa parte da floresta que nós não enxergamos, que é o solo”, explica sobre as diferentes tonalidades da água coletada em frascos em análise dispostos sobre a mesa do laboratório.
Nascido em Belém, o primeiro contato de Santos com instituições de pesquisa foi por meio do centenário Museu Paraense Emílio Goeldi. Isso o levou a se interessar pela área e cursar engenharia ambiental. Depois, mudou-se para Manaus onde concluiu mestrado em ecologia pelo Inpa e aderiu aos projetos de pesquisa em mudanças climáticas. “Fazer ciência na Amazônia, sendo amazônida, para mim é muito importante porque a gente observa que, em muitos casos, o amazônida é objeto de estudo”, avalia.
Segundo o pesquisador, ao entrar nos programas de pesquisa, quem é nativo da região carrega o conhecimento tradicional sobre o bioma e isso vai somar ao conhecimento científico produzido. “Eu comecei a observar a Amazônia somando meu ponto de vista de morador e também como cientista. As duas coisas trabalhando juntas. Misturar esses pontos de vista de amazônida me deu uma percepção nova de não só entender a relação sentimental que existe com esse ambiente, mas também entender o papel dele no mundo”, relata Santos.
Além disso, ele destaca que essa mesma ciência que é produzida retorna à população na forma de conhecimento e beneficia a todos. “Isso instrumentaliza mais ainda como a gente pode trabalhar pela Amazônia. É uma maneira de devolver tudo o que a floresta me deu.”
Yago Santos integra a equipe do projeto ATTO que desenvolve ações de educação ambiental nas escolas das comunidades ribeirinhas próximas à Estação Científica. No ano passado, eles organizaram o recolhimento de pilhas usadas nas escolas. O item é fartamente utilizado na comunidade que não dispõe de abastecimento regular de energia elétrica, apesar de o rio Uatumã ter sido represado para geração de energia da usina de Balbina. A chamada logística reversa foi acompanhada de palestras sobre os perigos do descarte inadequado do item. No total, mais de 50 quilos de material foram entregues em uma fábrica em Manaus.
Doutores amazônicos
Os exemplos bem-sucedidos dos dois pesquisadores paraenses não são a regra. A região Norte do país ainda tem pequena participação na formação de mestres e doutores. Além disso, há dificuldades em fixar pesquisadores. Dados do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) mostram que o número de alunos de doutorado formados em 2021 nos estados da região Norte representa apenas 2,7% do total nacional.
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