Telescópio Espacial James Webb detecta água no disco protoplanetário de estrela identificada em levantamento feito no Brasil
Sistema planetário PDS 70 foi identificado em levantamento feito no Observatório do Pico dos Dias (OPD/LNA) que contou com a colaboração do Observatório Nacional
Novas medições do Telescópio Espacial James Webb (JWST) da NASA detectaram vapor de água no disco interno do sistema PDS 70, localizado a 370 anos-luz de distância, na constelação do Centauro. Essa descoberta pode fornecer informações importantes sobre a chegada da água na Terra, essencial para a vida como a conhecemos.
A estrela PDS 70 foi identificada pela primeira vez em um levantamento feito no Observatório do Pico dos Dias do Laboratório Nacional de Astrofísica (OPD/LNA), o Pico dos Dias Survey (PDS), que contou com a colaboração do Observatório Nacional, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (ON/MCTI). O pesquisador emérito do ON, Dr. Ramiro de la Reza, participou da descoberta.
O sistema PDS 70 tem cerca de 5 milhões de anos e hospeda um disco interno e um disco externo de gás e poeira, separados por uma lacuna de 8 bilhões de quilômetros de largura. Dentro dessa lacuna estão dois planetas gigantes gasosos conhecidos: PDS 70b e PDS 70c.
Por meio de medições do MIRI (Mid-Infrared Instrument) do JWST, pesquisadores detectaram vapor de água no disco interno do sistema, a distâncias de menos de 160 milhões de quilômetros da estrela. Trata-se da região onde planetas rochosos e terrestres podem estar se formando no sistema.
Conforme destacou a NASA em um comunicado, esta é a primeira detecção de água na região terrestre de um disco já conhecido por hospedar dois ou mais protoplanetas.
“Vimos água em outros discos, mas não tão perto e em um sistema onde os planetas estão se formando. Não podíamos fazer este tipo de medição antes do Webb,” disse a principal autora Giulia Perotti do Instituto Max Planck de Astronomia (MPIA) em Heidelberg, Alemanha.
De acordo com o diretor do MPIA, Thomas Henning, coautor do artigo, a descoberta é extremamente empolgante, pois investiga a região onde os planetas rochosos semelhantes à Terra normalmente se formam.
PDS 70 é uma estrela do tipo K, mais fria que o nosso Sol, e tem uma idade estimada de 5,4 milhões de anos. Isso é relativamente antigo em termos de estrelas com discos formadores de planetas, o que tornou surpreendente a descoberta do vapor d'água.
Com o tempo, o gás e a poeira dos discos planetários diminuem. Isso ocorre porque a radiação da estrela central e os ventos dispersam o material, ou a poeira se aglomera para formar objetos maiores, que eventualmente se tornam planetas. Estudos anteriores não conseguiram detectar água nas regiões centrais de discos com idades semelhantes. Isso levou os astrônomos a suspeitarem que a forte radiação estelar pode impossibilitar a sobrevivência de água, resultando em um ambiente seco para a formação de planetas rochosos.
A detecção de vapor d'água implica que, se planetas rochosos estiverem se formando dentro do disco interno da PDS 70, eles terão água disponível desde o início. No entanto, os pesquisadores ainda não detectaram nenhum planeta se formando na região.
A equipe do MINDS considerou dois cenários diferentes para explicar sua descoberta. Uma possibilidade é que as moléculas de água estejam se formando no local a partir da combinação de átomos de hidrogênio e oxigênio. Uma segunda possibilidade é que as partículas de poeira cobertas de gelo estão sendo transportadas do disco externo frio para o disco interno quente, onde o gelo de água sublima e se transforma em vapor.
De acordo com os cientistas envolvidos na descoberta, tal sistema de transporte seria surpreendente. Afinal, a poeira teria que atravessar a grande lacuna esculpida pelos dois planetas gigantes.
Agora, a equipe usará mais dois instrumentos do JWST, NIRCam (Near-Infrared Camera) e NIRSpec (Near-Infrared Spectrograph), para estudar o sistema PDS 70 em um esforço para obter uma compreensão ainda maior. A descoberta foi publicada na revista Nature no dia 24 de julho.
Contribuição do ON e da Ciência Brasileira
A estrela PDS 70 é uma das muitas listadas na Pico dos Dias Survey (PDS), iniciativa nacional que teve início em 1989 com o objetivo de buscar astros estelares jovens.
"A astronomia Brasileira nos anos de 1980 a 1990 teve a chance de estar no momento e no lugar certo para fazer descobertas importantes. Tudo começou, ironicamente, mas com um certo simbolismo, com um trabalho de iniciação científica no ON", relata Ramiro de la Reza.
A ideia era fazer uma busca cega por estrelas T-Tauri, uma fase evolutiva de estrelas parecidas com o Sol, em um estágio anterior à fase em que o Sol se encontra hoje. As estrelas se formam a partir do colapso gravitacional de uma nuvem de gás e poeira. A maior parte do material da nuvem vai formar a estrela no centro, mas uma pequena parte se deposita para formar um disco em torno da estrela. Este disco é rico em poeira e obscurece a estrela central, por isso, observamos as estrelas nessa fase, chamada de T-Tauri, principalmente no infravermelho. Uma parte do material do disco é atraído para a estrela e a outra parte vai formar os planetas, satélites e asteroides.
Para fazer uma busca cega, é preciso definir algum critério de cores dos objetos de interesse. Neste caso, a seleção de alvos foi baseada na fotometria no infravermelho medida pelo telescópio espacial IRAS. As observações foram feitas com o telescópio de 1,60m do Observatório do Pico dos Dias e o espectrógrafo Coudé, em uma região espectral que contém uma linha do hidrogênio, que confirma a presença do disco se estiver em emissão, e uma linha do lítio, um importante marcador de idade das estrelas. A equipe contava com pesquisadores e estudantes de diversos institutos de pesquisa e universidades do Brasil.
O catálogo PDS revelou um grande número de objetos interessantes, tais como estrelas HAeBe (estrelas de alta massa na fase pré-sequência principal), gigantes ricas em lítio (o número de estrelas desse tipo conhecidas até então foi dobrado com o PDS) e várias candidatas a T-Tauri, como a PDS 70. O catálogo PDS foi usado durante muito tempo como ponto de partida para estudos aprofundados de sistemas similares a fim de detectar novos exoplanetas.
Por: Observatório Nacional
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