Preço baixo e aromatizantes são estratégias para atrair consumidores de tabaco
Pesquisadores defendem aumento de tributação e proibição de aditivos que mascaram sabores do produto
A indústria do tabaco tem uma estratégia bem definida para a manutenção e a ampliação de seus lucros: garantir preços baixos e continuar adicionando aditivos que tornem os produtos derivados do tabaco mais palatáveis. Essa estratégia foi pormenorizada hoje, por meio da apresentação de pesquisas recentes, durante evento virtual que celebrou o Dia Nacional de Combate ao Fumo, promovido pelo INCA.
Pesquisa do INCA mostra que o cigarro legal brasileiro é o segundo mais barato da região das Américas. A diferença entre o preço das marcas legalmente fabricadas no País e as contrabandeadas nunca esteve tão baixa. Após a reforma tributária de 2012, o preço médio do produto legal era quase 150% mais alto em relação ao cigarro ilegal. Atualmente, essa diferença caiu pela metade. Os números refletem, sobretudo, a falta de reajuste, desde 2017, nas alíquotas do imposto sobre o cigarro e no preço mínimo estabelecido por lei. Um efeito negativo imediato do enfraquecimento da política de preços e impostos sobre o produto é a tendência de aumento da proporção de fumantes entre os adolescentes brasileiros, principalmente meninas. Este ano, por exemplo, houve um aumento de 5 bilhões de unidades de cigarro produzidas quando comparado com o ano anterior
As análises fazem parte do estudo inédito The cigarette market in Brazil: new evidence on illicit practices from the 2019 National Health Survey , produzido pelo INCA em parceria com a Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos. O material foi publicado na Tobacco Control, uma das principais revistas sobre controle do tabaco no mundo.
“O Brasil tem sido líder mundial no combate à epidemia do tabaco. Apesar disso, os últimos resultados não são animadores. Esse estudo pode apoiar as discussões atuais da reforma tributária no sentido de reforçar a necessidade de o País ter um imposto seletivo para os derivados do tabaco”, destaca o pesquisador André Szklo, autor do artigo.
Cerca de 40% dos cigarros consumidos no território nacional ainda pertencem a marcas que entram no Brasil de forma ilegal. Desde 2016, observa-se queda na proporção de consumo desses produtos nos estados brasileiros, mas o percentual ainda é elevado. Ainda segundo o estudo, mais de 25% das marcas ilegais que circulam no País são vendidas a um valor igual, ou levemente superior, ao preço mínimo estabelecido por lei para os cigarros legalizados, estagnado em R$ 5 o maço desde 2016. O preço médio do cigarro adquirido pelos fumantes brasileiros é de R$5,68. Nos estados que fazem fronteira com o Paraguai, o valor é de R$ 4,96.
“Por isso, o Brasil deve promover aumentos regulares acima da inflação nas alíquotas que incidem sobre o imposto sobre cigarros e no preço mínimo para atingir os objetivos de saúde e de política fiscal. Paralelamente, é necessário garantir a implementação do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco, já ratificado pelo Estado Brasileiro”, explica Szklo.
Ele sugere que, entre as soluções do problema, estão a tributação mais pesada do produto na reforma tributária, a eliminação do comércio ilícito do tabaco, além de implementar a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 2012, que restringe o uso de aditivos nos produtos derivados do fumo.
Aditivos
O uso de aditivos atende a uma necessidade objetiva da indústria tabageira: a reposição de consumidores. Como o tabaco mata dois de cada três de seus consumidores, é preciso incentivar a iniciação ao tabagismo. Isso é facilitado com sabores açucarados.
“A iniciação do cigarro é difícil. Se eu não torná-lo palatável, eu crio dificuldades para que crianças e adolescentes iniciem sua dependência da nicotina”, explicou o diretor-geral do INCA, Roberto Gil.
A coordenadora da unidade técnica de Determinantes da Saúde, Doenças Crônicas não Transmissíveis e Saúde Mental da Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil (Opas), Elisa Prieto , informou que relatório da Organização das Nações Unidas identificou mais de 17 mil sabores em produtos do tabaco.
O coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Paulo César Corrêa, revelou que desde os anos 1920 a indústria começou a adicionar mentol aos cigarros. Em 1994, nos EUA, as empresas de tabaco foram judicialmente forçadas a divulgar uma lista com 599 aditivos do cigarro. Aditivos são ingrediente adicionados a produtos de tabaco que servem para modificar o sabor, regular a combustão, umedecer, preservar ou agir como solventes para outros aditivos, segundo definição de holandesa trazida pelo pesquisador
Diogo Alves, consultor nacional da Opas, lembrou, entre outras coisas, os números superlativos dos danos provocados pelo tabaco: o mundo ainda tem 1,3 bilhão de pessoas que consomem tabaco, com 8 milhões de mortes anuais, das quais 1,2 milhão afetam as pessoas indiretamente. Destas, 65 mil são crianças. A indústria do tabaco gasta US$ 8 bilhões com marketing e publicidade e causa prejuízo de mais de US$ 1 trilhão. O Brasil registra 157 mil mortes por ano decorrentes do tabaco, com prejuízos de R$ 125 bilhões contra R$ 13 bilhões de recolhimento de impostos.
O secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, enfatizou a disposição do governo atual em fortalecer os órgãos que contribuem na luta contra o uso do tabaco.
A chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco do INCA, Maria José Giongo, enfatizou o caráter de alerta à sociedade dos problemas causados pelo tabaco no Dia Nacional de Combate ao Fumo.
Marcia Sarpa, coordenadora de Prevenção e Vigilância do INCA destacou o caráter pediátrico do tabagismo, já que a indústria tem como alvos principais crianças e adolescentes.
A representante da Secretaria-Executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, Cristiane Viana, também defendeu aumento na tributação dos produtos do tabaco.
Por: Instituto Nacional de Câncer (INCA)
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