Senad se une ao CNJ em debate por nova política sobre drogas e alternativas penais
Especialistas debateram desafios e boas práticas no contexto das alternativas penais no Brasil e no mundo, além da necessidade de construção de novos paradigmas em questões relacionadas à lei de drogas
Diante da realidade do número de mais de 800 mil pessoas encarceradas no Brasil e que são, em sua grande maioria, negras, jovens e periféricas, a 4ª edição do Fórum Nacional de Penas Alternativas (Fonape) reuniu, em Brasília, entre 13 e 15 de setembro, juristas, especialistas, membros de secretarias de governo e da sociedade civil. O objetivo foi debater a construção de novas estratégias e paradigmas que aprimorem a lógica do sistema penal brasileiro e da política de drogas em vigor, esta última responsável por uma parcela significativa da população em regime de encarceramento no país.
O evento teve participação expressiva da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP). Além de compor a mesa de abertura do encontro, a secretária Nacional de Política sobre Drogas, Marta Machado, esteve no primeiro painel, “A terceira onda das alternativas penais no Brasil – inovações necessárias e efetividade”. Marta foi expositora ao lado de Rafael Velasco, secretário Nacional de Políticas Penais (Senappen), e de Luís Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema do CNJ. O debate girou em torno da busca de respostas inovadoras para políticas que culminaram em mais de um século de encarceramentos, tratamento punitivo e uma falsa sensação de redução de risco, enquanto os índices de criminalidade apenas aumentaram, junto do montante da população carcerária, no Brasil e no mundo.
“As alternativas penais se apresentam como um caminho necessário e urgente para a construção de um sistema de justiça criminal mais justo, adequado, responsável e que possa fazer frente aos efeitos deletérios do super encarceramento”, afirmou Marta Machado, ao comentar a dinâmica que acabou gerando problemas sociais graves, fomentou o surgimento de facções criminosas, agravou questões de discriminação e violência estruturais e gerou um sistema prisional cada vez mais oneroso e ineficiente para o Estado.
A titular da Senad pontuou, ainda, a necessidade de que esse debate seja feito diretamente conectado com um novo olhar ao tratamento penal sobre a questão das drogas, que vem historicamente produzindo assimetrias de gênero e raça. “Segundo dados obtidos pelo Sisdepen, de uma população carcerária de mais de 800 mil pessoas, quase um quarto desses homens e mulheres estão em regime de encarceramento por tipificações penais relacionadas aos crimes de associação ao tráfico, tráfico de drogas e tráfico internacional”, completou Marta.
Luís Lanfredi destacou a necessidade de compreender como essa lógica de responsabilização pela pena de prisão se entranhou no cotidiano da sociedade ocidental ao longo do século XX, bem como os efeitos nocivos por ela gerados e como é urgente trazer à luz que as alternativas penais são uma ferramenta eficaz de responsabilização penal. “O século XX conheceu a hegemonia da pena de prisão, se apostou na prisão como nunca e paradoxalmente isso nos reduziu a capacidade de pensar extramuros e nos limitou à forma mais onerosa e ineficiente”, afirmou Lanfredi.
Racismo estrutural
“(Re)produção das desigualdades de raça e de gênero no contexto da política de drogas” foi o tema do segundo painel, que recebeu a coordenadora de Projetos Especiais sobre Drogas e Justiça Racial da Senad, Lívia Casseres, e Deise Benedito, assessora técnica na área de Segurança Pública e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com mediação de Karen Luise Souza, juíza auxiliar da Presidência do CNJ.
O painel trouxe à tona um panorama histórico da política de drogas e o consequente super encarceramento, desde os tempos de colônia, que esteve atrelado ao racismo estrutural e à marginalização de comunidades negras do país. Nesse contexto, Deise Benedito pontuou a necessidade de novas legislações e práticas para que o estado brasileiro reduza arbitrariedades e combata as injustiças resultantes de tratamentos desiguais, com critérios históricos de seletividade racial e social na aplicação da lei.
Lívia Casseres ressaltou o compromisso assumido pela atual gestão da Senad com a temática. “É muito empolgante trabalhar esse tema de uma forma que nunca foi abordada pelo governo brasileiro. A coordenadoria nasce nesta gestão e denota, graficamente, como a promoção de direitos aos indivíduos mais lesados é um princípio edificante do nosso trabalho, assim como a ideia de reparação histórica”, ressaltou Lívia.
Povos indígenas na política sobre drogas
O 5º painel do evento – “Estratégia Nacional para Mitigação e Reparação do Tráfico de Drogas sobre Populações Indígenas e Etnoterritórios” – contou com a participação da diretora do Centro de Estudos em Drogas e Desenvolvimento Social Comunitário da Senad/UNODC/Pnud, Gabriela de Luca, da secretária substituta da Secretaria de Articulação e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Joziléia Kaingang, e da juíza de direito do Tribunal de Justiça do Amazonas, Andrea Jane de Medeiros.
O painel analisou a estratégia lançada em junho deste ano em uma iniciativa do MJSP, por meio da Senad, em parceria com o MPI. A ação propõe reflexões e uma ampla articulação institucional para estruturar medidas no âmbito da política sobre drogas que contemplem territórios indígenas e comunidades tradicionais afetadas pelo tráfico.
De acordo com Gabriela de Luca, atualmente está claro que ações meramente repressivas são muito limitadas e que é preciso buscar outras soluções para os impactos do tráfico sobre povos indígenas e comunidades tradicionais. “É a primeira vez que o governo federal se propõe a criar uma estratégia para populações indígenas na política de drogas. E é também a primeira vez que esse governo pauta sua posição na política de drogas, no cenário internacional, como marcada por princípios de desenvolvimento alternativo e no fortalecimento e resiliência das comunidades impactadas”, afirmou.
Joziléia Kaingang destacou a necessidade de articulações intersetoriais na definição de estratégias e ações voltadas a povos tradicionais dentro da política sobre drogas. “É importante que qualquer ação voltada a territórios indígenas leve em consideração a diversidade dos povos e mais, que essa diversidade seja ouvida. Queremos territórios seguros para que nossos povos, nossas crianças e nossas mulheres possam ter uma vida mais digna”, destacou.
Serviço:
Todo o evento pode ser conferido na íntegra na playlist do programa Fazendo Justiça, no canal do CNJ no YouTube. Também há registro completo em relatório com as principais contribuições dos painelistas, mediadores e debatedores no site do Conselho.
Por: Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)
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