Governo entrega títulos de regularização de territórios quilombolas
Mais dois títulos de regularização de territórios quilombolas emitidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foram entregues, na segunda-feira (20), durante solenidade realizada no Palácio do Planalto em celebração ao Dia da Consciência Negra. Participaram do evento, além do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ministros de Estado, autoridades, e centenas de representantes de movimentos sociais e culturais.
Os documentos titulatórios chegaram às mãos das famílias de Ilha de São Vicente, em Araguatins (TO), e Lagoa dos Campinhos, no município sergipano de Amparo do São Francisco. Com isso, o Incra alcançou a marca de XX emitidos a comunidades quilombolas no ano de 2023.
Outro resultado comemorado foi a assinatura do Decreto de Desapropriação por Interesse Social da comunidade Lagoa das Piranhas, em Bom Jesus da Lapa (BA). Os moradores ficam, desta forma, a um passo de alcançarem a titulação definitiva.
Na data, já constavam no Diário Oficial da União (DOU) as portarias de reconhecimento de 29 territórios quilombolas, distribuídos por 16 estados brasileiros.
As ações fazem parte de um pacote de medidas em favor da igualdade racial. Dentre elas, edição de decretos, assinatura de acordos de cooperação técnica e instituição de grupos de trabalho interministeriais.
“Tudo o que a gente tá fazendo é a tentativa de recompor coisas que foram destruídas e recolocar no lugar coisas que foram tiradas”, afirmou Lula. Ele destacou a necessidade de acompanhamento das políticas públicas anunciadas, citando que 2023 vem exigindo esforço no sentido de retomar muitas delas. “Esse ano foi o ano da reconstrução, de colocar a casa em pé”.
O presidente do Incra, César Aldrighi, também vem destacando a importância da retomada da política de regularização empreendida na autarquia. Para ele, a tarefa está entre as missões prioritárias. “Temos de fazer avançar uma política que nos últimos anos foi colocada em segundo plano”, reitera.
Portarias
As portarias de reconhecimento do Incra significam a definição dos limites finais de um território quilombola. Após a fase vêm os ritos envolvendo a desapropriação, e a titulação em si. Apenas nessa segunda-feira, o Incra publicou 29, compreendendo uma população de 4,3 mil famílias.
Um dos que fazem parte da relação é o de Pitombeira, com aproximadamente 354 hectares, situada no município paraibano de Várzea, distante cerca de 275 quilômetros da capital estadual, João Pessoa. Lá vivem 69 famílias. O resumo do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da Comunidade Quilombola de Pitombeira saiu no DOU em junho de 2017. A elaboração do RTID é a etapa inicial e das mais complexas do percurso até a titulação.
O relatório compõe-se de várias peças. Uma delas, o Relatório Antropológico. De acordo com os estudos, Pitombeira teve origem quando os ex-escravos Inácio Félix, Severino, Simplício e Gonçalo Fogo se fixaram na localidade com suas mulheres, na segunda metade do século XIX. O nome Pitombeira deve-se ao fato de terem encontrado ali um grande pé de pitomba, tornado referência para o estabelecimento de suas posses.
Em Santa Catarina, foi reconhecida a Comunidade Morro do Boi, em Balneário Camboriú. São dez hectares divididos em duas glebas. Conforme o RTID, de 2018, o território coincide com parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal da Costa Brava, uma propriedade particular e com o traçado da Rodovia BR-101. O estudo de caracterização antropológica e sócio-histórica indica que as famílias ali residentes descendem o casal de escravos Delfino e Joaquina. No período pós-abolição, eles ocuparam as proximidades do antigo caminho do Morro do Boi, cadeia de montanhas que circunda as praias ao sul do município. A propriedade dos escravos, que possuíam o mesmo sobrenome de quem foi seu senhor até 1874, consta no inventário de João Machado Airoso, dono de terras de Tijucas, e nos registros de batismos das paróquias locais.
Na década de 1960, a abertura da rodovia federal deixou os remanescentes com uma pequena porção de terra. A criação da APA, em 2000, e seu zoneamento restritivo, impossibilitam, ainda, a melhoria das moradias e das áreas de uso das 11 famílias habitantes do local. Os próximos passos rumo à regularização são a publicação do decreto presidencial permitindo a desapropriação dos imóveis particulares e a busca de uma resolução conciliatória referente à APA.
As comunidades piauienses Lagoas, Macacos e Vila São João e Buriti também foram reconhecidas. Juntas, somam 1,6 mil famílias. Lagoas, com 62,3 mil hectares, é o terceiro território com maior população quilombola do Brasil, conforme o Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Está em uma área abrangida por seis municípios: São Raimundo Nonato, Fartura do Piauí, Bonfim do Piauí, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde e Várzea Branca. Atualmente, abriga 1.498 famílias, distribuídas em 118 comunidades, que mantêm relações sociais interdependentes e laços históricos de convivência social e cultural há mais de 100 anos.
Macacos está situada no município de São Miguel do Tapuio. São 35 famílias habitando em 5,9 mil hectares. As duas fontes hídricas perenes – Macacos e Cocos – disponibilizam água para o sistema de abastecimento das casas e quintais produtivos. Existem duas casas de farinha de uso coletivo, com a produção de goma e farinha para o consumo interno; já as cascas e a crueira são utilizadas na alimentação das aves e suínos. Sítios arqueológicos, com pinturas rupestres, são encontrados na região. Já a Vila São João e Buriti (2,3 mil hectares), nos municípios de Campo Largo e Matias Olímpio, é formada por dois núcleos: Vila São João e Buriti. Foi ocupada há cerca de 150 anos. Atualmente, possui 53 famílias.
Maranhão
Por meio do Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma), o Estado do Maranhão assegurou o mesmo direito, ao entregar três títulos. Um deles, à Associação dos Moradores do Povoado Malhada dos Pretos, Peri Mirim, com 45 famílias. No mesmo município, para Associação dos Moradores do Povoado Santa Cruz, também de Peri Mirim, constituída por 50 famílias. E, ainda, para a Associação da Comunidade Negra de Trabalhadores Rurais Quilombolas de Deus Bem Sabe, em Serrano do Maranhão. Ela é formada por 80 famílias.
Ao falar da urgência em tratar do assunto, a ministra da Igualdade Racial, Anielli Franco, lembrou a morte da e ialorixá, liderança do Quilombola Pitanga de Palmares, Bernadete Pacífico. Ela foi assassinada a tiros, aos 72 anos, em agosto deste ano, no terreiro da comunidade, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador (BA).
Mãe Bernadete, como era conhecida, integrava a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e vinha lutando pelo esclarecimento da morte do filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, ocorrida seis anos atrás. Os residentes denunciam as constantes ameaças sofridas em razão de especulação imobiliária.
“É preciso garantir que o direito à terra não seja uma ameaça ao direito à vida”, salientou a ministra Anielli Franco.
Data
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, foi instituído em 2011, a partir da edição da Lei nº 12.519. A data remete à morte do líder negro Zumbi dos Palmares, em 1695, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho.
A política
Seguindo determina o Decreto nº 4.887/2003, também instituído em um 20 de novembro, cabe ao Incra promover a titulação de territórios quilombolas na esfera federal, sem prejuízo da competência concorrente dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
As primeiras regularizações foram feitas pela autarquia no ano de 1995. Em 1999, o governo federal transferiu a atribuição à Fundação Cultural Palmares (FCP) e, no ano de 2003, com a edição do referido decreto, a competência retornou ao Incra.
O Incra titula aqueles territórios localizados em áreas públicas federais ou particulares, mediante desapropriação, neste último caso. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) também expede documento de titulação em áreas federais de sua gestão, a partir da identificação realizada pela autarquia.
Por sua vez, cabe ao Distrito Federal, aos estados e aos municípios regularizar as comunidades situadas em terras de seu domínio. Estados como Pará, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Espírito Santo, Sergipe, Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm leis específicas para isso.
Para pedir a abertura de um processo no Incra, a comunidade deve ter a certidão de autodefinição de comunidade remanescente de quilombo, obtida junto à FCP. Dali em diante, são percorridas várias etapas até a emissão do título, pelo Incra. O documento será sempre coletivo e em nome da associação legalmente constituída para representar a comunidade. O documento não prescreve com o tempo e é sem ônus financeiro para as famílias. A área titulada não pode ser dividida, vendida e nem penhorada.
Saiba mais na página https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/quilombolas
Na página são encontradas, entre outras informações, as relações dos processos em andamento e a da titulação.
Por: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
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