Projeto-piloto inaugura salas digitais em assentamentos no Rio Grande do Sul
Objetivo é aperfeiçoar a proposta a partir da experiência inicial para estendê-la a outros assentamentos e demais superintendências do País
A conectividade ágil da vida urbana chegou a cinco áreas da reforma agrária no Rio Grande do Sul por meio de Termo de Execução Descentralizada (TED) entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). E isso foi materializado, no período de 9 a 12 de abril de 2024, com um roteiro de inaugurações que percorreu os assentamentos contemplados, os quais já começam a incorporar os equipamentos no cumprimento dos dois objetivos do projeto: acesso a políticas públicas e educação.
Os locais atendidos na primeira etapa são Rondinha (localizado no município de Jóia), Bom Será (em Santana do Livramento), Santa Elmira (em Hulha Negra), Viamão / Filhos de Sepé (em Viamão) e Itapuí (em Nova Santa Rita). Os laboratórios experimentais localizam-se junto a instituições de ensino, mas são abertos a todos os assentados.
O plano inicial era atender comunidades próximas à capital Porto Alegre - por questões técnicas e logísticas -, mas acabou adequado e atualmente abrange outras três regiões onde as dificuldades de transporte e comunicação são uma constante. A intenção é aperfeiçoar a proposta a partir da experiência inicial para estendê-la a outros assentamentos e demais superintendências do País.
A parte física de cada Sala Digital é composta por 20 computadores e antena de internet. Quatro técnicos sediados em Porto Alegre prestam auxílio em tecnologia da informação e assessoria pedagógica. Além disso, um treinamento realizado em março último capacitou tutores indicados pelos assentados para organizar o funcionamento dos espaços e orientar presencialmente os usuários. O prazo de trabalho da estrutura de apoio é de um ano, mas pode ser prorrogado.
A configuração dos equipamentos buscou atender especificidades dos agricultores. Por isso, os computadores possuem mouse reforçado a fim de facilitar o manuseio e os terminais apresentam capacidade limitada de armazenamento interno visando aumentar a vida útil, com foco na internet.
Mesmo com esses cuidados, surgiram novas necessidades durante a implantação. Como resultado, os kits foram acrescidos de projetor e impressora e, em breve, receberão telão. “As salas vão elevar o conhecimento dos nossos jovens e abrir espaço também para famílias mais idosas, que têm dificuldade de acesso à comunicação e à internet. Vão contribuir inclusive nos processos de regularização, titulação e cadastro dos lotes”, prevê o superintendente regional do Incra/RS, Nelson José Grasselli.
O dirigente lembra que a tecnologia encurta distâncias e facilita a vida dos interessados, aperfeiçoando a infraestrutura dos assentamentos junto com fatores como estradas e saúde. Nesse sentido, é uma ferramenta que completa a conquista da terra e deve fazer parte do cotidiano dos agricultores. “Não vamos deixar só nossos filhos aprenderem”, incentiva o superintendente.
O coordenador-geral do TED, professor Marco Aurélio Sanfins, da UFF, define a Sala Digital como “um projeto vivo”. Além de permitir a incorporação de novos itens materiais, a iniciativa poderá desenvolver cursos específicos para os agricultores ampliando o universo de possibilidades oferecidas via internet e os 11 treinamentos disponibilizados atualmente pela UFF. Uma pesquisa em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizada em dois momentos pretende captar as mudanças percebidas pelas famílias a partir da iniciativa.
Já a professora Ana Giordani, da mesma universidade, ressalta o caráter abrangente da proposta. “Muito da nossa cidadania é digital. Queremos entregar esta semente [acesso à internet] para germinar na forma de direitos para os assentados. Temos cinco sementinhas para mostrar que este projeto dá certo e multiplicar para todos os assentamentos do país” tornando-se uma política pública, defende.
A intenção de gerar frutos é expressa no logotipo da Sala Digital em que uma semente se soma ao símbolo da conectividade representada em nuances do marrom – da terra –, ao azul. “O céu é o limite. Tudo o que vocês puderem fazer neste espaço, façam”, convida Giordani lembrando que as localidades contempladas poderão trocar experiências, fortalecendo uma rede de solidariedade voltada ao desenvolvimento coletivo.
Apropriações
Cada assentamento beneficiado agregou a Sala Digital ao seu cotidiano em um processo diversificado de adequações.
Em Jóia, a inauguração prolongou as festividades de 25 anos da Escola Estadual de Ensino Médio Joceli Corrêa, celebrados em março. Desde que foram entregues, os dispositivos de informática começaram a ser usados em pesquisas, com acompanhamento dos professores, durante as aulas ou em turno inverso. "Temos 153 estudantes de quatro assentamentos e um reassentamento nos turnos da manhã e tarde. Esses computadores são um reforço para esta escola que já formou médicos, engenheiros, agrônomos e tantas outras profissões”, observou o diretor Adílio Perin em sua fala no evento.
Conforme o tutor Cleber João May, a comunidade tem procurado o laboratório para saber como será o funcionamento. Neste trabalho, o bolsista pretende contar com auxílio da filha Yasmin, agregada ao projeto.
A situação é semelhante à Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Conselheiro, no assentamento Bom Será, em Santana do Livramento. Ao invés de atuar sozinha, a monitora Érica Rocha terá apoio das auxiliares Sara Tavares, Érica Barbosa e Natália Cupsinski nos três turnos da escola. As quatro estão em fase de aprendizado para transmitir informações aos demais agricultores e já realizaram o primeiro evento de orientações.
As perguntas que chegam à equipe são diversas, desde como ligar as máquinas, formatar as fontes e navegar nos sistemas, especialmente no Sou.gov. “Aprendi a entrar para minha mãe fazer o imposto de renda”, conta Sara. “Também tem muita dúvida sobre a Sala da Cidadania”, site de prestação de serviços do Incra, comenta Érica. “Eu mesma não sabia que posso ver meu Espelho do Beneficiário”, da reforma agrária.
“O bichinho computador não morde. Queremos que a comunidade seja protagonista da Sala Digital. Estamos com um caderninho para anotar quem veio, que horas veio, o que fez e se tem alguma sugestão”, afirmou a diretora da escola, Cleide Almeida, durante a inauguração do espaço. Parte dos presentes aceitou o convite. Após a cerimônia, Adair Barbosa teve um de seus primeiros contatos com computadores ao lado do neto, Alexandro. “Isto aqui é uma revolução. Sou presidente do Conselho de Pais e Mestres e preciso aprender”, justificou.
A 240 quilômetros da Antônio Conselheiro, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Chico Mendes inaugurou a Sala Digital com uma mostra de ‘banners’. “São os projetos em andamento”, explicou o diretor Mariano Gasso de Gasso sobre iniciativas nas áreas de produção, meio ambiente, cultura, disciplinas curriculares, entre outras que agora terão reforço da tecnologia.
A unidade de ensino localizada no assentamento Santa Elmira, em Hulha Negra, ergueu uma edificação específica para receber o projeto. O espaço possui duas portas: uma voltada para o pátio escolar e outra para a estrada por onde a comunidade será acolhida. “Esta sala foi esforço de muita gente”, relatou, ao lado de um dos carpinteiros, Frei Sérgio Görgen, do Instituto Cultural Padre Josimo. A entidade foi uma das diversas apoiadoras da construção junto com pais, professores e estudantes.
“Fizemos a obra na correria para receber o material e ainda não deu tempo de envernizar. Por isso estamos levando os computadores para as salas de aula”, explica a tutora Tainá Hahn nos intervalos de atendimento a ávidos pequenos questionadores. Embora não tenha experiência com informática, a agricultora é assídua na escola por conta de dois filhos e está aproveitando para aprender sobre o assunto e organizar a primeira capacitação ao público externo. “A comunidade vai ocupar bastante. Antes, a gente precisava procurar a assistência técnica para ter Contrato de Concessão de Uso (CCU), agora vamos fazer aqui”, prevê.
Região Metropolitana
A Sala Digital do assentamento Viamão / Filhos de Sepé, em Viamão, foi abrigada pelo Instituto de Educação Josué de Castro, uma instituição com longa trajetória de parcerias com o Incra por meio do Programa Nacional de Educação Reforma Agrária (Pronera). O monitor Gabriel de Medeiros graduou-se em História este mês pelo programa e foi indicado para atuar na ação de informática junto com o colega Daniel Linares.
“Conhecendo o perfil da escola, acredito que vai ter bastante resultado. Ela funciona o ano inteiro, inclusive nos feriados. Temos duas turmas de jovens que exigem muito deste trabalho tecnológico de acesso à pesquisa”, relata o bolsista. Segundo ele, existe forte relação entre o instituto e o assentamento, de forma que as atividades costumam resultar do somatório de forças. Nesse sentido, a Sala Digital será mais uma via de conexão entre as duas esferas.
“Vem desafogar uma demanda”, revela a vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Nova Sociedade, Elaine da Rosa. A unidade de ensino localizada no assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita foi uma base das Escolas Itinerantes - que existiram entre 1996 e 2008 para atender o público da reforma agrária -, e manteve a inserção no contexto. “Os assentados nos procuram para tudo - desde imprimir documentos, regularizar o título [de eleitor], entrar nos sistemas. No entanto, nossa internet era precária”, menciona.
O plano para utilização da Sala Digital é de quatro turnos por semana à disposição da comunidade e o restante voltado ao planejamento escolar. “Vai estar o tempo inteiro ocupada. A única coisa poupada vai ser a impressora. Vamos continuar usando a nossa e deixar a do projeto para os assentados”, descreve.
A ex-aluna Ketelen Vitória da Rosa coordenará o espaço no período de utilização externa. Filha e neta de assentados, a jovem está cursando faculdade de Marketing Digital e conseguiu adequar as duas atividades na agenda. Para ela, a tutoria é um desafio superado com apoio dos técnicos remotos e trocas com colegas do projeto. “Criamos um grupo para nos ajudar”, conta. A escala de atendimento externo começa segunda-feira (15/4) com planos de interação. “Vou criar um perfil nas redes sociais para mostrar como é a Sala Digital e trazer mais gente”, anuncia.
Por: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
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