Na Câmara, representantes do Governo defendem cotas raciais em concursos
Em audiência pública, a diretora do Ministério da Gestão Maria Aparecida Chagas Ferreira defendeu que as cotas reforçam a democracia e asseguram acesso dos excluídos
A importância da Lei de Cotas como instrumento de consolidação do processo democrático do Brasil foi destacada nesta terça-feira (11/6) pela diretora de Provimento e Movimentação de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), Maria Aparecida Chagas Ferreira. Ao participar de audiência pública sobre o tema “Cotas nos serviços públicos”, a diretora ressaltou que o instrumento assegura acesso dos “excluídos aos espaços de elites burocráticas”.
Maria Aparecida disse estar segura sobre o avanço do Projeto de Lei nº 1958/2021 , que não apenas amplia a vigência da política de cotas, como também promove a inclusão de quilombolas e indígenas, em uma cota ampliada para 30%. Esse PL já foi aprovado no Senado Federal e agora tramita na Câmara dos Deputados. A Lei nº 12.990/2014 , que reservou 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para negros, deixa de valer neste ano.
A diretora explicou que a Lei de Cotas é relevante por assegurar representatividade, inclusão, equidade e fortalecer a democracia. Ela apresentou dados sobre como a elevação da cota de acesso contribuirá para o aumento da representatividade da população negra em diversos segmentos do funcionalismo público federal, de forma mais acelerada.
Conforme argumentou a diretora do MGI, essa política afirmativa é importante porque fortalece as capacidades institucionais do Estado, que passa a contar com um corpo de servidores mais diverso e representativo da sociedade brasileira. “É uma política essencial para a transformação do Estado , para termos um Estado mais inclusivo”, completou Maria Aparecida.
Debate público
A audiência pública foi realizada no âmbito da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, por iniciativa da deputada federal Carol Dartora (PT-PR). Ao requerer a promoção do debate de hoje, a parlamentar apontou que a lei que vence este ano permitiu a “construção de uma administração pública plural e justa”, mas foi apenas um primeiro ciclo dessa transformação social. Ela lembrou que vigora, no cotidiano, falta de conhecimento sobre a questão racial. “Estamos em um país que é 56% negro, a maior parte da população brasileira”, afirmou.
“Apesar de já termos completado dez anos da Lei de Cotas nos serviços públicos, é urgente a sua renovação, aprimoramento e refinamento”, reforçou a deputada. Ela argumentou que as pessoas negras ainda continuam ocupando os cargos mais baixos, com os menores salários. “Nosso objetivo deve ser o de garantir a proporcionalidade da população. Nada mais justo que ampliar de 20% para 30% [a cota] e incluir a população indígena e quilombola”, afirmou a parlamentar.
Diversidade
Conforme apontou a diretora de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Layla Daniele Pedreira de Carvalho, manter e fortalecer a política de cotas no acesso ao serviço público é essencial para garantir o processo de ampliação da diversidade no estado brasileiro, criando uma burocracia efetivamente representativa, além de combater um histórico de desigualdades, “ainda mais gritante para as mulheres negras”. “Isso promove o fortalecimento das capacidades do estado, no sentido de ter uma composição que se aproxime do perfil da população brasileira”, afirmou a diretora do MIR.
Mudanças
O coordenador-geral de Ciência de Dados da Diretoria de Altos Estudos da Escola Nacional da Administração Pública ( Enap ) , Pedro Masson Sesconetto Souza , apresentou resultados de pesquisa realizada pela E nap sobre a aplicação de cotas nos concursos realizados após a promulgação respectiva lei, em junho de 2014, com resultados divulgados até dezembro de 2023. Entraram na pesquisa órgãos do Poder Executivo Federal, exceto Banco Central, empresas públicas e sociedades de economia mist a.
O estudo mostrou uma mudança de cenário durante esse período. No ano 2000, do quadro total de servidores, 27,4% eram negros. Esse índice subiu para 38,4%, em 2024. Apesar dessa mudança, o pesquisador apontou que o quadro de servidores “continua longe de representar a população brasileira”.
Perspectivas
Mensagens da obra “Samba Negro Espoliação Branca”, de Ana Maria Rodrigues, foram lembradas no debate pela procuradora da Universidade Federal do Paraná, Dora Lúcia de Lima Bertúlio , ao citar a importância do cuidado em não promover divisões entre os grupos oprimidos, pois isso “fortalece os que estão na posição de comando e de domínio”. “Não existe diferença entre o efeito do racismo em pessoas que têm o menor poder aquisitivo e eventualmente maior poder aquisitivo”, afirmou.
“Quem lutou para colocar negros na universidade pública deve lutar agora também [lutar] por ações afirmativas nos concursos públicos”, disse o presidente dos Conselhos da Oxfam Brasil e do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (CEDRA), Hélio Santos. Ele afirmou que aspolíticas de cotas se efetivaram na década passada (2012, no acesso a universidades; e em 2012, no serviço público), impulsionadas por Luiza Bairros , ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil entre 2011 e 2014. “O Brasil é um país tardio. Foi o último a acabar com a escravidão. Foi também um dos últimos a adotar políticas públicas”, reforçou, ao citar o constante desafio da sociedade de pensar em políticas de ação afirmativa.
O secretário Nacional de Combate ao Racismo do PT, Martvs Chagas, advertiu sobre a importância da fiscalização sobre a aplicação da lei de cotas no acesso ao serviço público, para evitar que fraudes e formas distorcidas de interpretação das regras restrinjam o acesso de pessoas negras aos quadros federais. “Será de uma fundamental importância estabelecer esses mecanismos, na regulamentação da lei”, afirmou.
Assista à Audiência Pública “Cotas nos serviços públicos”, promovida pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara:
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