MPI divulga diagnóstico e ações de proteção territorial para a Terra Indígena do Vale do Javari
Parte final do ato promovido pelo governo em homenagem à trajetória de Bruno e Dom contou com balanço das medidas realizadas na segunda maior Terra Indígena do país
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) apresentou, na noite dessa quarta-feira (5), no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, um diagnóstico com o mapeamento dos principais problemas presentes na segunda maior Terra Indígena do Brasil, o Vale do Javari, localizado no estado do Amazonas. O levantamento e as ações estão contidos no Plano de Proteção Territorial da região, elaborado por um arranjo interministerial para atender Medidas Cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Partes específicas das ações de desintrusão e de combate ao crime organizado precisam ser preservadas em nome da segurança dos envolvidos e da eficácia da estratégia.
A parte final do ato promovido pelo governo federal em memória da jornada do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips contou com pronunciamentos da ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, da ministra do Meio Ambiente (MMA), Marina Silva, e do ministro dos Direitos Humanos (MDHC), Silvio Almeida. Há exatos dois anos, em 05 de junho de 2022, os dois ativistas foram assassinados pelo crime organizado no estado do Amazonas enquanto faziam uma expedição de fiscalização no território indígena.
“Como forma de atender as Medidas Cautelares da CIDH, foi elaborado o Plano de Proteção Territorial da Terra Indígena Vale do Javari, que apresenta um diagnóstico completo das atividades ilícitas instaladas na Terra Indígena, e um Plano de Ação para o seu enfrentamento em resposta à situação de abandono que se encontrava a região no contexto do governo anterior”, explicou a ministra Sonia Guajajara.
“O sentimento é ambíguo porque hoje comemoramos o Dia Mundial do Meio Ambiente, mas estamos aqui reunidos para um esforço de reparação e justiça em relação aqueles que perderam suas vidas lutando pela defesa dos povos indígenas e do meio ambiente”, comentou a ministra Marina Silva.
“A memória serve para lembrar esse evento trágico para que nós possamos dar a ele um novo significado para nos impulsionar em direção à luta daqueles que se foram lutando para estarmos aqui. A memória tem o papel de iluminar nossos passos que estão no presente, caminhando rumo ao futuro”, afirmou Silvio Almeida. O ministro classificou o evento como rito iniciático para que as transformações necessárias na institucionalidade brasileira sejam cumpridas a fim de proteger, de fato, os defensores de direitos humanos, comunicadores e indígenas.
Balanço
Após a retomada da presença do Estado no Vale do Javari, 18 fiscalizações foram cumpridas na Terra Indígena entre 2023 e 2024. No período, foram apreendidos infratores, munições, armas diversas, embarcações, dragas, balsas, carne de caça, animais vivos e madeira. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou mais de R$ 16 milhões em multas, entre outubro de 2022 até o fim de 2023.
A Polícia Federal fez 34 operações contra crimes ambientais que resultaram em 39 prisões e apreensão de R$ 133 milhões em bens, além de ordens judiciais no montante de R$ 6 bilhões. Ao todo, foram presas 134 pessoas e foram apreendidos R$ 470 mil em 118 operações contra o tráfico de drogas na região.
As informações foram viabilizadas pela Secretaria Nacional de Direitos Territoriais Indígenas (SEDAT), por meio do Departamento de Proteção Territorial (DEPRO) e do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (DEPIR), com colaboração da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) através da Diretoria de Proteção Territorial (DPT), da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPE-VJ).
Diagnóstico
O Plano de Proteção é o resultado do Grupo de Trabalho (GT) de Proteção Territorial do Vale do Javari, instaurado no ano passado, no âmbito do Comitê Interministerial de Desintrusão de Terras Indígenas, que durou 180 dias. O documento foi feito pelo MPI, MDHC, MMA, Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), Ministério da Defesa e órgãos como Ibama e Funai, além da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava).
Segundo o levantamento, o Norte do Vale tem como principais problemas e ameaças a pesca e a caça ilegais, assim como a entrada ilegal de pessoas que cometem esses crimes e de associados às organizações criminosas mais amplas. A área Oeste, região de fronteira com o Peru, registra incidência de biopirataria, desmatamento e presença de pescadores e caçadores ilegais, exploração de madeira e ligações com o crime organizado/tráfico de drogas.
Já o Leste tem garimpo que chega ao território sobretudo pela bacia do Rio Jutaí. Há a atuação de garimpeiros ilegais que se aproximam da área de concentração dos povos isolados. Na área Sul, os crimes são caça ilegal, desmatamento e invasão vindo de municípios das imediações da Calha do Juruá. Diante dessa divisão por regiões, estão previstas diversas ações integradas.
Foi instalado na região o Comando Único Integrado do Vale do Javari, instância local que coordena ações com representantes de todos os órgãos mencionados. Com a integração das ações previstas no Plano, a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, que faz parte da Funai e tem suas bases na região ameaçada pelo mesmo grupo que vitimou Bruno e Dom, se valerá do apoio das Forças Armadas e das polícias para conseguir fazer suas ações de monitoramento e expedições para verificar se há invasões e demais crimes na Terra Indígena.
“É importante que, nessas fiscalizações, a Funai tenha o apoio das forças de segurança. O plano vai aprimorar o apoio e a relação das várias denúncias e dos fluxos de apreensões ambientais, que devem ser feitos corretamente com a Polícia Federal para abrir investigações. São ações que os órgãos governamentais fazem esporadicamente, mas agora são realizadas de maneira mais orgânica”, descreveu Beatriz Matos, diretora de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI e viúva de Bruno Pereira.
CIDH
De acordo com a presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Roberta Clark, a Comissão valoriza a abertura do Estado ao diálogo, a partir de 2023, e reconhece que o Plano de Proteção, ao ser implementado, pode promover mudanças estruturais significativas para os defensores de direitos humanos e as pessoas do Vale do Javari.
“Para além disso, reconhecemos os esforços do Brasil ao fortalecer seu programa de proteção aos direitos humanos e o compromisso de seguir investigando os mandantes e executores dos crimes cometidos contra Bruno e Dom. Continuaremos monitorando as medidas cautelares e a situação de indígenas e comunicadores do Vale”, garantiu.
Acordo de Escazú
O Acordo de Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e foi ratificado por 15 países. É o primeiro acordo ambiental da América Latina e do Caribe que versa sobre a defesa de ambientalistas. O Brasil assinou o documento em 2018. Em 2023, aproximadamente 150 organizações da sociedade civil brasileira requisitaram ao governo a ratificação do Acordo, cujo propósito é desenvolver a transparência e os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em conflitos ambientais, assim como proteção aos defensores da natureza.
Atualmente, o Acordo de Escazú está na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados. O relatório precisa ser aprovado para seguir tramitando no Congresso. O Brasil hoje conta com um Grupo de Trabalho Técnico, o GT Sales Pimenta, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, para debater o aperfeiçoamento e a reestruturação da Política Nacional de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos.
“No Congresso Nacional, está mais que pronto para ser votado o Acordo de Escazú, que é uma forma de proteger os protetores. A solidariedade dos parlamentares precisa ser estendida aos que são ameaçados diariamente por defender nossa natureza”, avaliou a deputada federal Célia Xakriabá.
Por: Ministério dos Povos Indígenas (MPI)
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