Trabalho e emprego

O potencial da reciclagem no Brasil de geração de trabalho e renda

Quando as(os) catadoras(es) são reconhecidas(os) e valorizadas(os), a reciclagem, a renda e o número de postos de trabalho são ampliados

Cristiano Nicola Ferreira e Gerson de Lima Oliveira
06/07/2024 08:55
O potencial da reciclagem no Brasil de geração de trabalho e renda
Valter Campanato/Agência Brasil
Expocatadores 2023, com o tema É hora da conta fechar!, reuniu 2 mil expositores (Estádio Mané Garrincha, Brasília)

As(Os) catadoras(es) de materiais recicláveis somam mais de 20 milhões de pessoas no mundo, sendo cerca de 4 milhões na América Latina e mais de 800 mil no Brasil. Elas(es) coletam 58% dos plásticos, abastecendo a cadeia produtiva e diminuindo a poluição, contribuindo para a economia de recursos naturais, a vida útil dos aterros sanitários, a diminuição de poluentes, a limpeza das cidades e a saúde pública. A reciclagem é fonte de trabalho e renda para a população e, quando organizados coletivamente, as(os) catadoras(es) atuam em associações e cooperativas autogestionárias e solidárias. No entanto, a categoria é frequentemente desvalorizada e invisibilizada.

Problemas enfrentados

A trajetória das(os) catadoras(es) é marcada pela exclusão social, em alguns casos, desde a infância, incluindo trabalho infantil em lixões, abandono escolar, extrema pobreza e insegurança alimentar. A maioria trabalha em condições precárias, sem seguridade social, sem pagamento justo, sem equipamentos de proteção individual, além de enfrentar estigma e preconceitos raciais e de gênero.

O trabalho na reciclagem reproduz o sistema de exclusão, ampliado por ser um trabalho desvalorizado. A maioria da categoria trabalha nas ruas e nos lixões em condições extremamente precárias e insalubres. O trabalho é feito majoritariamente pela força de seus corpos, tornando a jornada mais exaustiva e impactando na saúde física. Apesar disso, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a categoria é responsável por aproximadamente 90% de tudo que é reciclado no Brasil. Com mais apoio e valorização por parte do poder público, as condições de trabalho podem ser melhoradas.

Atualmente, as(os) catadoras(es) de resíduos são afetadas(os) também pela "uberização" do trabalho, facilitada por aplicativos que conectam catadoras(es) e geradoras(es) de resíduos sem remuneração prevista pelo trabalho. Esse modelo transfere todas as responsabilidades para o(a) catador(a), removendo a obrigatoriedade de pagamento e desonerando o poder público de valorizar as organizações coletivas de catadoras(es). Isso prejudica as organizações de catadoras(es), afeta a logística reversa e contraria a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), além de eximir os geradores de resíduos de suas responsabilidades.

A potencialidade da reciclagem

A reciclagem, quando apoiada pela sociedade e pelo poder público, gera postos de trabalho, principalmente para pessoas excluídas do sistema de empregos formais por questões etárias, de escolaridade, de gênero ou raciais. A reciclagem cria milhares de postos de trabalho, garante renda a populações vulnerabilizadas, impulsiona a economia local nos municípios e protege o meio ambiente.

No Brasil, apenas 4% dos resíduos gerados em 2022 foram reciclados. É um índice muito baixo, que demonstra o quanto é possível ampliar a cadeia da reciclagem no país. A maior parte desses resíduos vai para aterros controlados, lixões a céu aberto ou para as ruas das cidades, perdendo o seu potencial de serem fonte de trabalho e renda. A PNRS tem como meta o encerramento de lixões; para isso, é fundamental a preocupação com a reinserção digna das(os) catadoras(es) que tiram seu sustento desses locais.

Uma das alternativas apresentadas para lidar com a quantidade de resíduos gerados no país é a incineração. No entanto, ela compete com a reciclagem e compromete a geração de trabalho e renda das(os) catadoras(es). A reciclagem reduz as emissões 25 vezes mais do que a incineração. A incineração se enquadra dentro do princípio da economia linear, gera poucos postos de trabalho e destrói a matéria-prima. Por outro lado, a reciclagem é economia circular, gerando postos de trabalho e renda para trabalhadores excluídos.

Caminhos possíveis

Boa parte dos recursos obtidos pelas pessoas catadoras é fruto de suas ações como movimento social, com o protagonismo do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e das cooperativas. Essas organizações demandam itens essenciais para as operações, como manutenção, Equipamentos de Proteção Individual (EPI), impostos, fluxo de caixa e despesas cotidianas, como água, energia, Internet, aluguel de galpões, combustível para caminhões, seguros, assessoria ambiental, contábil e jurídica, que frequentemente não figuram nos apoios.

Operacionalmente, é crucial que as(os) geradoras(es) separem corretamente seus resíduos. Para o poder público, é necessário fortalecer e contratar as organizações locais de catadoras(es), pagando de forma justa pelos serviços ambientais prestados. Além disso, ele pode contribuir criando políticas públicas que incluam as pessoas catadoras em programas de educação ambiental, coleta seletiva e triagem de materiais. Outras formas de contribuição incluem logística de destinação de recursos, investimentos em infraestruturas e equipamentos e a desoneração da carga tributária das cooperativas de catadores.

O reconhecimento e a priorização de contratos com cooperativas são mais intensivos em inclusão produtiva para pessoas mais vulnerabilizadas, se comparados com a contratação de empresas privadas vinculadas à reciclagem. É importante que as alternativas para o problema da geração de resíduos nas cidades sejam desenvolvidas com a participação democrática dessa população, levando em consideração evidências científicas e a sustentabilidade.


Este artigo é uma síntese das diversas respostas rápidas realizadas de forma voluntária pelos Institutos Veredas e Cíclica para órgãos do governo federal que, no ano de 2023, estavam em busca de evidências para apontar os melhores caminhos para enfrentar alguns desafios. A pesquisa que inspirou este artigo e outras você encontra aqui.
Cristiano Nicola Ferreira é co-fundador e pesquisador do Instituto Cíclica. É bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestrando em Sociologia pelo PPGS-UFRGS. Tem trabalhado com as temáticas de geração de trabalho e renda, direitos humanos, juventudes e transição para a sustentabilidade.
Gerson de Lima Oliveira é co-fundador e pesquisador do Instituto Cíclica. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre e doutor em Sociologia pelo PPGS/UFRGS. É também professor e pesquisador na Universidade Federal do Pampa (Unipampa) onde pesquisa sobre movimentos sociais.

Confira o relatório completo

Este trabalho foi realizado a pedido do Departamento de Novas Economias, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), pelo Instituto Veredas e o Instituto Cíclica, que desenvolveram de forma voluntária esta resposta rápida sobre Catadoras(es) de Materiais Recicláveis:

Referências

ANCAT. Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis. Atlas Brasileiro da Reciclagem. São Paulo, 2022.
Disponível em: Atlas da reciclagem (ancat.org.br)
BOLSON, Camille, R. A organização territorial da cadeia de valor dos resíduos plásticos: uma avaliação dos processos socioeconômicos de produção das cooperativas e associações de Curitiba. Doutorado em Tecnologia e Sociedade, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). 2023.
CARDOSO, Alexandro. O eu catador: reciclando humanidades, ressignificando resíduos e compartilhando a cultura social da reciclagem. 2022.
LIMA, Francisco de Paula Antunes et al. Tecnologias sociais da reciclagem: efetivando políticas de coleta seletiva com catadores. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 4, n. SPE, p. 131-146, 2011.
RUTKOWSKI, Jacqueline E.; RUTKOWSKI, Emília W. Expanding worldwide urban solid waste recycling: The Brazilian social technology in waste pickers inclusion. Waste Management & Research, v. 33, n. 12, p. 1084-1093, 2015.

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