Segurança pública

Escuta Susp atinge mil atendimentos psicológicos de profissionais da segurança pública

Coordenador do programa de acolhimento e psicoterapia voltado a agentes explica, em entrevista ao site do MJSP, a importância dos cuidados com a saúde mental

Agência Gov | Via Ministério da Justiça
27/09/2024 13:50
Escuta Susp atinge mil atendimentos psicológicos de profissionais da segurança pública

O Escuta Susp alcançou a marca de mil atendimentos psicológicos desde que foi criado, em maio deste ano. A iniciativa é fruto da parceria entre a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e visa oferecer atendimento psicológico especializado aos profissionais de segurança pública.

O projeto já funciona em Alagoas (AL), no Distrito Federal (DF), em Minas Gerais (MG), em Pernambuco (PE), no Rio Grande do Norte (RN), no Maranhão (MA) e em Sergipe (SE). Agentes da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Polícia Penal e do Corpo de Bombeiros Militar, além de peritos criminais contam com o atendimento de 42 terapeutas.

Para que os profissionais de segurança pública possam ter acesso às consultas, basta acessar o site, preencher o cadastro e anexar uma cópia da carteira funcional para comprovar o vínculo institucional. O agendamento é feito por e-mail, e as sessões são on-line e semanais.

Para aprofundar a discussão sobre os resultados e os desafios do projeto Escuta Susp, o professor de psicologia da UFMG e coordenador do projeto pela universidade, Maycoln Teodoro, respondeu algumas perguntas do MJSP:

Quais são as principais características de uma doença mental? Como identificar que chegou a hora de procurar ajuda?

Maycoln Teodoro: Para desempenharmos bem as nossas funções, precisamos estar em equilíbrio — conosco, com a família e com os colegas. No entanto, o estresse constante pode nos levar a um estado de sofrimento, especialmente em profissões de alta pressão, como as da segurança pública.

Você não precisa estar doente para procurar ajuda psicológica. Se você sente que não está rendendo bem, se tem dificuldades para dormir ou se a sua alimentação está desregulada, isso pode ser um sinal de que algo não vai bem. Mesmo que não seja uma doença, sua mente pode não estar funcionando no seu melhor potencial.


Todos nós sentimos ansiedade. O problema é quando ela ultrapassa o limite e começa a afetar o desempenho no trabalho ou nas relações. Perguntas como “Estou rendendo bem no trabalho?” ou “Estou presente de forma saudável na minha família?” podem indicar se há algo interferindo no seu bem-estar.


A psicoterapia vai além de tratar transtornos como depressão ou ansiedade grave, que podem incapacitar a pessoa. Cuidar da saúde mental não significa esperar um diagnóstico. Pelo contrário, é algo que todos devemos fazer. A ajuda psicológica é uma ferramenta que nos auxilia a lidar melhor com os desafios do dia a dia.

Quais são os tipos mais comuns de doenças ou transtornos mentais?

Existem muitos transtornos mentais, e a ansiedade é um exemplo comum. Quando falamos de ansiedade, nos referimos a uma preocupação excessiva e constante, como o medo de não conseguir realizar tarefas ou de perder o controle. No fundo, a ansiedade está ligada ao medo de falhar ou de não conseguir algo.

Na depressão, os sintomas são diferentes. Envolve apatia, desânimo e falta de vontade de fazer atividades que antes eram prazerosas. Pode haver também variações de peso, distúrbios no sono (tanto dormir mais, quanto dormir menos), diminuição da libido e, em casos mais graves, pensamentos suicidas.

Para o diagnóstico de depressão, tecnicamente, é preciso identificar um conjunto específico de sintomas. São nove principais. A pessoa precisa apresentar, pelo menos, cinco deles para ser diagnosticada. No entanto, é importante ressaltar que, mesmo sem preencher todos os critérios, o paciente já pode estar em sofrimento.

Isso nos leva a um ponto crucial: nem sempre é necessário um diagnóstico formal para que alguém precise de cuidados. Você pode apresentar apatia, problemas de sono, variações na alimentação ou pensamentos negativos. Mas, se não atingir o número necessário de sintomas para o diagnóstico de depressão, não significa que não precise de atenção. Muitos indivíduos estão em sofrimento sem necessariamente serem classificados com um transtorno mental.


Estima-se que cerca de 16% da população enfrentará depressão ao longo da vida, mas muitas pessoas podem apresentar sintomas sem chegar a ser diagnosticadas. Se você percebe um aumento na ansiedade, preocupações excessivas ou uma perda de prazer nas atividades diárias, esses são sinais importantes. É fundamental buscar apoio, independentemente de um diagnóstico formal, pois cuidar da saúde mental é essencial para o bem-estar de todos.


A equipe do Escuta Susp pode fazer esse diagnóstico?

O Escuta Susp não faz diagnósticos formais porque esse não é o foco do projeto. Essa avaliação exige um formato diferente do que o Escuta Susp oferece. Se, durante o atendimento, for identificado que a pessoa precisa de um diagnóstico mais aprofundado, o ideal é encaminhá-la para outro profissional especializado.

Apesar disso, podemos fazer intervenções sem um diagnóstico formal. Por exemplo, se uma pessoa relata falta de prazer em suas atividades ou preocupação excessiva, trabalhamos diretamente com esses sintomas. O importante é oferecer apoio e estratégias para lidar com o que está afetando o bem-estar dela.

Como são os atendimentos do Escuta Susp?

Temos dois tipos: o de avaliação e aconselhamento e o de psicoterapia.
Primeiro, o policial se cadastra no site gov.br/escutasusp. Depois de aprovado o cadastro, ele já pode acessar a plataforma para escolher o psicólogo e marcar os horários das sessões. Nas primeiras conversas, fazemos uma avaliação. A partir dela, o psicólogo, junto com um supervisor, decide se o policial vai seguir para o aconselhamento psicológico ou se precisará de psicoterapia.

Se o problema for algo que dá para resolver mais rapidamente, ele entra no aconselhamento, que geralmente dura de oito a dez sessões. Agora, se for algo mais complexo, ele é encaminhado para o serviço de psicoterapia, que dura de 20 a 25 sessões.

Todo o atendimento é feito on-line, por meio de uma plataforma criada pela UFMG, que é bem mais segura do que as mais comuns, como o Zoom e o Meet. Ela garante total sigilo e confidencialidade.

Os profissionais recebem capacitação especial em segurança pública, então entendem bem a rotina e os desafios que os policiais enfrentam no dia a dia, o que facilita bastante o diálogo e a abordagem.

É importante ressaltar que o policial pode retornar ao Escuta Susp quantas vezes precisar, mesmo após receber alta. No início de cada novo atendimento, faremos uma nova avaliação.

MJSP: Em algumas situações, é possível ter atendimento presencial pelo Escuta Susp?

Embora o Escuta Susp ofereça atendimento 100% on-line, que é fundamental para alcançar áreas remotas, em alguns casos o atendimento presencial é mais indicado, como em situações de violência doméstica ou quando há comportamento suicida.

Temos contato com profissionais de saúde dentro da corporação, chamados pontos focais, que nos ajudam a organizar esse atendimento presencial e garantir o suporte necessário.

É possível solicitar a troca de terapeuta?


Nosso objetivo com o Escuta Susp é garantir que o agente receba a melhor intervenção possível e entendemos que, em terapia, é fundamental que haja uma boa conexão entre o profissional e o paciente. Se o agente não se identificar ou não se sentir à vontade com o terapeuta, ele pode solicitar a troca. Isso é totalmente aceitável.


O procedimento é simples e pode ser feito de forma direta na primeira e na segunda troca. No entanto, se houver uma terceira solicitação, vai ser preciso fazer uma nova avaliação para que a equipe do projeto identifique o que não funcionou nas interações anteriores e consiga ajudar a traçar o perfil de profissional mais adequado. Não há um limite para a quantidade de vezes.

Existem transtornos mentais mais frequentes entre os profissionais de segurança pública?

Entre os profissionais de segurança pública, os transtornos mais comuns são ansiedade, depressão e estresse, tanto agudo quanto pós-traumático. Esses quadros aparecem com frequência devido às exigências e às pressões constantes da profissão, como o envolvimento em situações de violência e risco de morte.

Um exemplo alarmante é a questão do suicídio. Embora não seja muito frequente na população geral, com uma média de seis casos por 100 mil habitantes no Brasil, entre os policiais militares esse número é muito mais alto. De acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2023, a taxa de suicídio entre policiais militares chega a 30 por 100 mil habitantes.

O que faz com que esse número seja mais alto entre os policiais do que a média da população?

Isso se deve a uma combinação de fatores. Primeiro, o estresse constante. Os policiais lidam diariamente com situações extremamente difíceis e perigosas. Esse tipo de estresse pode levar a um desgaste emocional intenso, que, por si só, já é um fator significativo.

Outro aspecto importante é o acesso a armas. Quando uma pessoa está lidando com pensamentos suicidas, a impulsividade pode ser uma característica marcante. Essas pessoas podem não estar buscando, necessariamente, a morte, mas uma forma de escapar de um sofrimento insuportável. Esses pensamentos podem ser temporários e desaparecer rapidamente, mas, quando se tem uma arma acessível, isso se torna muito perigoso.

Além disso, existe uma cultura entre os policiais que os encoraja a agir como super-heróis. Isso significa que muitos acreditam que não devem mostrar fraqueza ou buscar ajuda, o que torna ainda mais difícil para eles procurarem apoio psicológico.

Em resumo, o estresse intenso da profissão, o acesso fácil a armas e a resistência em buscar ajuda criam um ambiente que favorece o aumento preocupante nos índices de suicídio entre policiais.

Quais são os principais fatores que afastam os policiais da terapia?

É a resistência em buscar atendimento psicológico dentro da própria corporação. Muitas vezes, eles se preocupam com a relação de hierarquia que existe entre eles e o profissional que vai atendê-los, que também é um colega de trabalho.


O diferencial do programa Escuta Susp é contar com psicólogos que não pertencem à segurança pública. Isso é importante, pois esses profissionais são capacitados para atender sem a carga de preconceitos que muitas vezes permeia a corporação.


Outro aspecto que contribui para essa resistência é o preconceito geral em relação à busca da ajuda psicológica. Muitas pessoas ainda acreditam que quem procura um psicólogo é fraco ou louco. Esse tipo de estigma parece ser ainda mais forte entre os profissionais de segurança pública.

Estar em um ambiente predominantemente masculino influencia nesse cenário? Quais são os impactos dessa dinâmica na saúde psicológica e no bem-estar dos agentes?

Esse ambiente pode influenciar significativamente a saúde mental dos profissionais. Tradicionalmente, os homens têm mais dificuldade em buscar serviços de saúde, tanto médicos quanto psicológicos. Por exemplo, no programa Escuta Susp, cerca da metade dos pacientes é mulher. Isso significa que, mesmo em um universo predominantemente masculino, as mulheres ainda procuram ajuda com mais frequência.

Esse comportamento está relacionado à pressão da masculinidade, que muitas vezes associa ser homem à ideia de ser forte e protetor. Essa expectativa pode dificultar e atrasar a busca da ajuda psicológica. E quanto mais tempo passa sem que esses profissionais busquem apoio, pior a situação pode se tornar.

Como a experiência das mulheres em ambientes predominantemente masculinos difere da dos homens em termos de impacto na saúde mental?

A experiência das mulheres é bastante diferente e muitas vezes mais desafiadora. Durante as sessões, já ouvi relatos de mulheres que enfrentam agressões verbais ou que têm suas opiniões desconsideradas, muitas vezes porque o ambiente não é onde se espera que uma mulher deveria estar. Isso reflete não apenas o machismo, mas também uma estrutura, que não leva em conta as necessidades específicas das mulheres.

Um exemplo claro é a falta de equipamentos adequados, como coletes à prova de balas que sejam adaptados ao corpo feminino. Em muitas corporações, esses coletes não são projetados para as mulheres, o que pode impactar no desempenho e na sensação de pertencimento.

Além disso, a cultura masculina predominante pode aumentar a incidência de assédio, que é uma preocupação importante.

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