Cientista do Museu Goeldi é um dos 10 com mais descobertas de aranhas no mundo
Alexandre Bonaldo se dedica à investigação da família de coronídeos encontrada em diferentes continentes. Seu trabalho evidência importância estratégica para o Brasil de contar com boa infraestrutura científica na Amazônia
Desvendar a biodiversidade é um desafio para a pesquisa científica em todo o planeta. No campo da zoologia, milhares de espécies são descritas a cada ano, principalmente no grupo dos invertebrados que, segundo estimativas, representa cerca de 97% do total de espécies existentes. Entre elas está a ordem das aranhas, composta atualmente por mais de 52 mil espécies. É nesse mundo megadiverso que Alexandre Bragio Bonaldo, doutor em Zoologia e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, se destacou ao descobrir e descrever 472 novas espécies de aranhas.
Somente no ano de 2023, Bonaldo identificou 50 novas aranhas para a ciência, além de um novo gênero, sendo classificado em décimo lugar no ranking mundial do World Spider Catalog (WSCA), plataforma de referência para os estudos em aracnologia mantida pelo Museu de História Natural de Berna (Suíça). No mesmo ranking aparece ainda Nithomas Feitosa, recém-doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Zoologia (PPGZool), que foi orientado por Bonaldo.
“Esse resultado pode ser resumido em uma palavra só: colaboração. Eu não conseguiria fazer isso sozinho, descrever tantas espécies se eu não tivesse colaboração tanto dos meus colegas quanto dos meus alunos. A maior parte das espécies descritas nesse ano foram feitas no contexto da tese de doutorado do Nithomas. No artigo publicado no ano passado estão 35 espécies daquelas 50”, afirma o pesquisador.
Alexandre Bonaldo é natural do Rio Grande do Sul e foi lá que desenvolveu o interesse pela aracnologia. Ele conta que desde a infância era apaixonado por biologia e já pretendia seguir carreira na área. Durante a graduação, um estágio de iniciação científica na coleção de aranhas do Museu de Ciências Naturais do RS proporcionou o despertar para as possibilidades da pesquisa. “Percebi a grande diversidade de formas que elas apresentam, me entusiasmei pelo grupo e fiz do estudo destes bichos a minha profissão”, relata.
Método científico
Com 24 anos de trabalho dedicados ao Museu Goeldi, Alexandre Bonaldo é o primeiro aracnólogo da história da instituição e curador da coleção de aracnídeos constituída por mais de 40 mil lotes de animais preservados, abrangendo sobretudo a fauna da América do Sul e amazônica. O acervo da coleção serve de base para muitas das pesquisas, e o foco dos trabalhos é orientado mais pelo recorte taxonômico do que por critérios geográficos.
“Na sistemática, você pega um táxon (um gênero, uma família) e descreve todas as espécies do grupo, onde quer que elas ocorram. Eu trabalho com cinco famílias de aranhas, principalmente os corinídeos (Corinnidae) que ocorrem no mundo inteiro. Tem uma das subfamílias que é neotropical, ou seja, mais restrita à América do Sul e central, e outra subfamília que ocorre nas Américas, na África e na Ásia e a gente estuda esses bichos também. Claro que tem uma diversidade muito grande na Amazônia, então a gente acaba descrevendo muitos bichos da Amazônia”, esclarece.
O input da tecnologia
A descrição de espécies pode ser feita a partir de diferentes abordagens e aprimorada com a utilização de equipamentos e recursos tecnológicos. As pesquisas de Alexandre Bonaldo adotam procedimentos de análise morfológica, isto é, das estruturas dos corpos dos animais que são minuciosamente documentados em ilustrações feitas pelo próprio pesquisador, que adota a tecnologia como aliada do método tradicional.
“O desenho científico é interpretativo, ou seja, em um desenho, é possível destacar as estruturas mais importantes, a partir de observações que permitem realmente entender as complexidades dos detalhes morfológicos. Além disso, alguns bichos são, digamos, pouco fotogênicos, e só podem ser adequadamente documentados através de desenhos científicos”, argumenta o aracnólogo.
Os detalhes observados e documentados em desenhos e fotografias podem ser investigados com o uso do microscópio eletrônico de varredura, por exemplo. Atualmente, o Museu Goeldi conta ainda com o suporte de um micro-tomógrafo computadorizado que permite produzir reconstruções em 3D das estruturas, abrindo novas possibilidades para a documentação dos caracteres e facilitar a descrição de espécies.
O alerta
Porém, além da estruturação e atualização de laboratórios, Bonaldo defende que a ciência precisa de ampliação e regularidade de investimentos direcionados à formação e à fixação de mais profissionais qualificados nas instituições de pesquisa.
“É preciso incentivar a formação de taxônomos e sistematas e dar condições para que eles produzam ciência e possam descrever as muitas espécies que ainda não foram descritas. Para se ter uma ideia, temos 52 mil aranhas descobertas no mundo, porém a estimativa é que o número total chegue a 200 mil. No ritmo atual, ainda vamos precisar de mais 500 anos para descrever todas essas espécies. Então, é preciso acelerar a descrição dessas espécies para disponibilizar essas informações para políticas públicas, para a definição de áreas de preservação e para os estudos de ecologia, que vão entender como são as dinâmicas e os processos ecológicos que mantêm essa diversidade no planeta”, ressalta Alexandre Bonaldo.
Texto: Fabrício Queiroz/Edição: Joice Santos | Museu Paraense Emílio Goeldi
Infográfico: Jéssica Brígido
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