'Que tenhamos no Mercosul o senso de justiça e inclusão de Pepe Mujica', diz Lula
Presidente cita o amigo uruguaio, sobre a formação de uma "pátria de todos" no continente. E ressalta que as condições do acordo Mercosul-União Europeia herdado em 2019 eram inaceitáveis
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrou a finalização do acordo Mercosul-União Europeia. "Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas. Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares", afirma o presidente, em discurso na Cúpula de Líderes do Mercosul, nesta sexta-feira 6/12.
Lula classifica como inaceitáveis as condições do acordo que havia sido esboçadas há quatro anos: "O acordo que finalizamos hoje é bem diferente daquele anunciado em 2019. As condições que herdamos eram inaceitáveis".
O chefe de Estado brasileiro observa ainda que o bloco de torna a "sétima economia do mundo", com o ingresso da Bolívia. Cita as “Rotas da Integração Sul-Americana”, que terão investimentos em 190 obras no país e no continente. E fala com muita ênfase na necessidade de os países se apresentarem na COP 30, no ano que vem em Belém, com metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa e de contenção do aquecimento global.
"Os impasses na COP 16 da Biodiversidade, em Cali (Colômbia), e as dificuldades de se chegar a um consenso na COP 29 do Clima, em Baku (Azerbaijão), acendem um alerta. Não há alternativas ao planeta Terra. O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, é essencial para promover a justiça climática."
"O Mercosul é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento econômico com responsabilidade ambiental. O Brasil vai propor o lançamento de um programa de cooperação para a agricultura de baixo carbono e promoção de exportações agrícolas sustentáveis, o Mercosul Verde", afirma Lula. "Nosso bloco tem uma oportunidade histórica de liderar a transição energética e enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. O princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” é essencial para promover a justiça climática. Isso não impede que cada um de nós contribua, como pode, para a meta de limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio."
O presidente brasileiro já havia se encontrado com José Pepe Mujica para condecorá-lo com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, mais alta condecoração oferecida pelo chefe de Estado brasileiro a cidadãos estrangeiros. E voltou homenagear o ex-presidente uruguaio em seu pronunciamento. "Que tenhamos, no Mercosul, o senso de justiça e inclusão de Pepe Mujica. Em um discurso histórico, na ONU, em 2013, ele disse e repito: 'Sou do Sul e venho do Sul a esta Assembleia. Carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina, pátria de todos que está se formando'."
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Íntegra do discurso
Cumprimento o Presidente Lacalle Pou pela organização desta Cúpula e pela condução dos trabalhos na presidência do MERCOSUL neste semestre.
Saúdo o companheiro Luis Arce, que representa a Bolívia, pela primeira vez, como Estado Parte do MERCOSUL.
Também dou as boas-vindas ao presidente José Raúl Molino, do Panamá, que passa a ser o primeiro Estado Associado do MERCOSUL na América Central.
É com satisfação que acolhemos entre nós a Presidenta da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen.
Exalto, de maneira muito especial, o povo uruguaio, pelas eleições que conduziram Yamandú Orsi à presidência da República.
Num contexto de fortes ataques à democracia em diversas partes do mundo, o Uruguai demonstra que a política pode ser feita sem ódio e violência.
Presidente Lacalle Pou,
Esta Cúpula tem um significado especial.
Ela marca a conclusão das negociações do Acordo MERCOSUL-União Europeia, no qual nossos países investiram enorme capital político e diplomático, por quase três décadas.
Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.
Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.
O Acordo que finalizamos hoje é bem diferente daquele anunciado em 2019.
As condições que herdamos eram inaceitáveis.
Foi preciso incorporar ao Acordo temas de alta relevância para o MERCOSUL.
Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar e ciência e tecnologia.
Alongamos o calendário de abertura do nosso mercado automotivo, resguardando a capacidade de fomento do setor industrial.
Criamos mecanismos para evitar a retirada unilateral de concessões alcançadas na mesa de negociação.
Estamos assegurando novos mercados para nossas exportações e fortalecendo os fluxos de investimentos.
Após dois anos de intensas tratativas, temos hoje um texto moderno e equilibrado, que reconhece as credenciais ambientais do MERCOSUL e reforça nosso compromisso com os Acordos de Paris.
A realidade geopolítica e econômica global nos mostra que a integração fortalece nossas sociedades, moderniza nossas estruturas produtivas e promove nossa inserção mais competitiva no mundo.
Nossa agenda externa está reposicionando o MERCOSUL no comércio internacional.
No final de 2023, concluímos o acordo comercial com Singapura, o primeiro com um país asiático.
Hoje, também lançamos as bases para a futura liberalização comercial com o Panamá, por onde passam 6% do comércio mundial.
Com os Emirados Árabes Unidos, as negociações estão avançando rapidamente e devem ser concluídas ainda em 2025.
A possibilidade de ampliar a cooperação econômica e tecnológica com a China, Japão, Vietnã e outros mercados da Ásia resultará em benefícios para todos os membros do bloco.
Senhoras e senhores,
Com a entrada da Bolívia, o MERCOSUL se constitui na sétima economia do planeta, com um PIB combinado de quase 3 trilhões de dólares.
O comércio entre nós mobiliza a expressiva soma de 55 bilhões de dólares.
75% dessa cifra é de produtos de alto valor agregado.
Nossa pujança agrícola e pecuária nos torna garantes da segurança alimentar de vários países do mundo, atendendo a rigorosos padrões sanitários e ambientais.
Não aceitaremos que tentem difamar a reconhecida qualidade e segurança dos nossos produtos.
O MERCOSUL é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento econômico com responsabilidade ambiental.
O Brasil vai propor o lançamento de um programa de cooperação para a agricultura de baixo carbono e promoção de exportações agrícolas sustentáveis, o "MERCOSUL Verde".
Nosso bloco tem uma oportunidade histórica de liderar a transição energética e enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
A exemplo do que ocorre com as inundações em várias regiões da Bolívia, todos já sofremos as consequências devastadoras de secas severas, incêndios e enchentes, com profundos impactos econômicos, sociais e humanos.
Alterações nos padrões de precipitação afetam a produção agrícola, os recursos hídricos e a biodiversidade em todos os biomas.
Os impasses verificados na COP 16 da Biodiversidade, em Cáli, e as dificuldades de se chegar a um texto de consenso na COP 29 do Clima, em Baku, acendem um alerta.
Não há alternativas ao planeta Terra.
O princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” é essencial para promover a justiça climática.
Isso não impede que cada um de nós contribua, como pode, para a meta de limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.
O Brasil já apresentou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada, que abrange todos os gases de efeito estufa e setores econômicos.
Assumimos a meta ambiciosa para 2035 de reduzir emissões de 59 a 67% em relação a 2005.
O ano de 2025 será particularmente importante.
A América do Sul sediará a COP 30, em Belém do Pará, na Amazônia brasileira.
Com isso, nossa responsabilidade aumenta.
Convido os países do MERCOSUL e Associados e a União Europeia a apresentarem NDCs ambiciosas e a participarem ativamente nos esforços que levarão ao pleno êxito da COP 30.
Senhoras e senhores,
Um MERCOSUL forte e unido é um MERCOSUL interconectado com a América do Sul e com os grandes temas da agenda global.
Os projetos do FOCEM são estratégicos no esforço de redução das assimetrias e de maior aproximação entre nossos países.
Obtivemos este mês a aprovação, pelo Fundo, do financiamento do primeiro projeto brasileiro em 12 anos. O anel viário no município de Amambai, no Estado do Mato Grosso do Sul, vai estreitar os vínculos com o Paraguai.
O Brasil lançou o projeto “Rotas da Integração Sul-Americana”, com a previsão de investimentos em 190 obras no país e na região.
As rotas têm o papel de interiorizar o desenvolvimento e reduzir o tempo e o custo do transporte de mercadorias entre o Brasil e seus vizinhos, ligando o Atlântico ao Pacífico.
Quero agradecer a todos os países membros do MERCOSUL por sua participação na Cúpula de Líderes do G20 no Rio de Janeiro.
Tivemos apoio expressivo no lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Nossa atuação conjunta foi fundamental para a aprovação de um Chamado à Ação para a Reforma da Governança Global.
É essencial corrigir a baixa representação da nossa região na ONU e nas organizações de Bretton Woods.
Caras amigas e amigos,
O MERCOSUL tem um elemento crucial que lhe dá força, para além de sua dimensão econômica e comercial: a sua gente.
Nossa tarefa é fazer com que a integração seja percebida como caminho eficaz para a conquista e efetivação de direitos.
Precisamos recuperar a participação social no bloco, que foi pioneiro na incorporação da sociedade civil nos debates governamentais.
Defendemos o fortalecimento do Instituto Social, bem como do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos.
Esses órgãos não podem ter suas atividades estranguladas sob o pretexto de economia de recursos.
Promover a igualdade de gênero, o combate ao racismo, fomentar a educação e a justiça social não são gastos.
São investimentos no potencial humano dos nossos países.
Este é o modelo de integração que defendemos: orientado para a redução das desigualdades, dentro dos países e entre eles.
Indutor do crescimento sustentável, ao mesmo tempo em que é defensor dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito.
Um modelo que, diante de divergências e adversidades, fomenta o diálogo e a cooperação.
Foi nesse espírito que, há 33 anos, o pai do Presidente Lacalle Pou e os então presidentes do Brasil, da Argentina, e do Paraguai firmaram o Tratado de Assunção, que continua sendo instrumental para superar um passado de autoritarismo em nossa região.
A liberdade, em todas as suas manifestações, é componente essencial de uma democracia sadia.
Mas ela deve vir associada à proteção dos direitos e às liberdades de outros, e a da própria ordem política.
A democracia em sua plenitude é base para promover sociedades pacíficas, livres do medo e da violência.
Que tenhamos, no MERCOSUL, o senso de justiça e inclusão de Pepe Mujica.
Em um discurso histórico, na ONU, em 2013, ele disse e repito:
“Sou do Sul e venho do Sul a esta Assembleia. Carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina, pátria de todos que está se formando”.
Presidente Lacalle Pou,
Desejo-lhe felicidades em seus novos caminhos a partir do próximo mês de março.
Reitero as boas-vindas ao companheiro Orsi, assegurando que o Brasil continuará a caminhar lado a lado com o Uruguai.
Desejamos sucesso à presidência de turno argentina que se inicia agora.
O MERCOSUL é, e continuará sendo, componente central da inserção internacional do Brasil.
Contem conosco para fortalecê-lo ainda mais.
Muito obrigado.
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