Consea aponta medidas para reduzir a inflação dos alimentos
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional ouviu especialistas para apresentar reflexões e medidas conjunturais e estruturais para garantir a segurança alimentar no Brasil.
Dona Simone Costa, de 61 anos, reclama que a feira da semana está mais cara. Mãe de cinco filhos e avó de seis crianças, ela comenta que o arroz, o frango e a cenoura subiram de preço e, no cardápio do jantar, decidiu fazer uma sopa para que a refeição pudesse “render mais um pouquinho”.
O caso de dona Simone reflete a realidade de muitos brasileiros: a alimentação no domicílio ficou 8,23% mais cara em 2024, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Alimentos e bebidas formam, juntos, a categoria que liderou a inflação de dezembro medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), com alta de 1,11%, e as perspectivas para 2025 preocupam.
Para mitigar os efeitos, o governo federal estuda medidas para conter a alta nos preços dos alimentos justificada, entre outros fatores, pela alta do dólar e eventos climáticos, como o calor extremo e as variações na chuva. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) conversou com especialistas com o objetivo de trazer reflexões e apresentar medidas conjunturais e estruturais para garantir a segurança alimentar e nutricional no Brasil.
A presidenta do Consea, Elisabetta Recine ressalta que, historicamente, os alimentos impactam de maneira desproporcional a taxa de inflação e, mesmo que existam situações conjunturais, como os eventos climáticos extremos e a oscilação cambial, incidir nos determinantes estruturais é condição para soluções mais sustentáveis.
Elisabetta Recine afirma que é fundamental acelerar a implementação das ações previstas no Plano Nacional de Abastecimento Alimentar, lançado em 2024, que possui iniciativas, tais como, fomentar o abastecimento local, ampliar equipamentos públicos, e ampliar a oferta e acesso a alimentos saudáveis, priorizando as comunidades periféricas. O Plano Nacional de Abastecimento Alimentar combina medidas de impacto imediato e ações com efeito a médio e longo prazos.
Outras iniciativas destacadas pela presidenta do Consea são a ampliação da capacidade de manutenção de estoques reguladores; alerta que a desoneração da importação de alimentos, pode surtir efeito mas precisa ser monitorada para não afetar nossa capacidade de produção de alimentos básicos; e a ampliação do orçamento e do fomento para as colheitas de produtos da cesta básica na safra 2025-2026, o que exige que esses itens sejam priorizados pelo financiamento público para a agricultura familiar.
Para Elisabetta Recine, a agricultura familiar brasileira tem um enorme potencial produtivo a ser fomentado, mas depende da garantia de terra para plantio, ampliação do acesso a recursos, assistência técnica e compras públicas para a recuperação e ampliação da área de plantio dos produtos da cesta básica.
Portanto, ela explica que uma medida importante pode estar na ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e no novo Plano Safra, com recursos suficientes e direcionados para os pequenos produtores de base familiar e camponesa para que possam aumentar a produção e a produtividade priorizando os alimentos que compõem a cesta básica.
“A agricultura familiar tem uma capacidade importante de incidir na redução de preços dos alimentos, porque está em todas as regiões do país, produz de maneira diversificada e em pequena escala, tem mais proximidade com os consumidores locais e seus preços não estão atrelados ao câmbio de moedas estrangeiras”, ressalta.
Para o economista e ex-presidente do Consea Francisco Menezes, a maior causa da inflação dos alimentos está relacionada aos fatores estruturais como, por exemplo, a hegemonia da lógica exportadora do agronegócio que, segundo ele, é mais beneficiada em seus planos de safra do que a agricultura familiar. “Essa lógica faz com o que, a cada subida do dólar, tira-se a oferta do mercado interno para o externo, com o objetivo de se lucrar mais. Sendo assim, os preços internos sobem. São os casos da carne, óleo de soja, café, laranja etc.”, destaca.
Para mitigar a alta dos preços, Chico Menezes afirma que o fortalecimento de uma política de preços mínimos, conjugada com um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) mais fortalecido, pode ser uma saída. Além disso, ele aposta em uma transição de produção de um modelo menos mercantil e mais alinhado com o direito à alimentação. “Também devemos mapear os territórios de maior insegurança alimentar dirigindo prioridade de chegada de programas que garantam alimentação mais barata para as suas populações”, acrescenta. Porém, alerta: “sem mudanças mais estruturais fica difícil encontrar saídas mágicas quando essas crises acontecem”.
O professor Renato Maluf, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ), também acredita que o grande apoio dado ao agronegócio, e à agricultura de grande escala para exportação, compromete a produção agroalimentar de base familiar e diversificada acentuando os impactos do câmbio sobre os preços domésticos.
Ao ser questionado sobre quais medidas não poderiam faltar nas medidas do governo federal, Renato Maluf, que também é ex-presidente do Consea, destaca a necessidade de adotar a perspectiva que combine medidas com efeitos imediatos sobre os preços, com ações que reflitam as diretrizes e prioridades da recém-lançada Política e Plano Nacional de Abastecimento Alimentar.
“Precisamos recuperar a capacidade do Estado de redirecionar a produção, comercialização e consumo de alimentos em âmbito nacional sob forte hegemonia privada, bem como com iniciativas no âmbito territorial com a articulação entre esferas de governo. Por fim, é preciso aprimorar a geração de indicadores que não se limitem a medir a inflação agregada, mas sim considere as particularidades dos alimentos que compõem a cesta básica e como eles se comportam em âmbito nacional, regional e local-territorial”, complementa Renato Maluf.
Ao comentar ações mais estruturais para garantir no Brasil a segurança alimentar e nutricional, principalmente às famílias mais vulnerabilizadas, vítimas das desigualdades, o professor Renato Maluf enfatiza que a combinação de transferência de renda, geração de emprego e valorização do salário-mínimo é essencial no combate às desigualdades socioeconômicas. “Transformações nos sistemas alimentares dariam importante contribuição nessa direção, com destaque para o acesso à terra pelas famílias rurais, e a qualificação do universo de atividades voltadas para os alimentos e a alimentação muitas delas informais. A centralidade da questão urbana remete às desigualdades socioespaciais no meio urbano que condicionam o acesso à alimentação adequada. Por fim, há significativa correlação entre vulnerabilidade social e desigualdades de gênero, étnicas e geracionais que requerem ações que contemplem as especificidades de cada situação”.
Na opinião da conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Adriana Marcolino, representante do DIEESE, um conjunto de elementos internos e externos pode explicar a alta dos preços dos alimentos captada pelo IPCA.
Entre os fatores externos, ela destaca a questão da emergência climática, com eventos extremos de ondas de calor, frio, chuvas e secas que têm ocasionado uma grande interferência na produção de alimentos. Também ressalta a alta da taxa de câmbio do dólar e a maior abertura comercial para exportações, o que impactam os preços internamente.
“No caso do café, houve um problema na produção de café no Vietnã e um conjunto de especulações sobre, se os demais países produtores, como o Brasil, dariam conta de suprir as necessidades do mercado internacional. Então, tivemos uma explosão do preço do café nas bolsas internacionais e isso teve um impacto interno muito grande. De dezembro de 2023 para dezembro de 2024, por exemplo, o café teve uma alta de 50%”.
Sobre os elementos internos, Adriana Marcolino lembra que os estoques reguladores ainda estão desfalcados e o desmonte das políticas públicas, ocasionado no governo anterior, ainda gera impacto. “A Conab precisa ter recursos suficientes para recompor os estoques reguladores, porque já estamos em uma alta de preços há alguns anos e sabemos que isso é uma dificuldade adicional para recompor os estoques e a Conab precisa estar fortalecida para reconstruir a política de abastecimento”.
Ao ser questionada sobre quais medidas não devem faltar em um pacote de mitigação à volatilidade dos preços, Adriana Marcolino destaca a necessidade de ampliação às ações de fomento à agricultura familiar.
“Há um conjunto de políticas que precisam ser reforçadas e ampliadas na agricultura familiar, como o crédito, seguro safra, assistência técnica e de apoio à comercialização. Também precisamos de medidas que dificultem a exportação de gêneros alimentícios que são fundamentais para a nossa população de modo a garantir que esses produtos fiquem no Brasil”.
Sobre as várias discussões envolvendo a alta dos preços, a conselheira do Consea alerta para algumas medidas que são apresentadas pelo mercado financeiro e que, segundo ela, ameaçam a segurança alimentar dos brasileiros, como o aumento dos juros. Para Adriana Marcolino, a saída pode ser perigosa, pois sugere uma retração na economia com a redução de renda, emprego e consumo.
“A saída para a alta dos preços dos alimentos não pode ser o aumento da taxa de juros, isso significa, na ponta, reduzir a capacidade da população brasileira de ter comida na mesa. E, nós, somos melhores que isso. Nós conseguimos pensar em políticas que garantam a redução do preço dos alimentos, mas através da maior oferta de alimentos para a população brasileira. Temos que tomar cuidado com esse discurso do mercado financeiro quando vivemos em um país que tem a capacidade de produzir alimentos de forma suficiente para a toda a sua população”.
“Por uma questão de soberania e garantia da segurança alimentar e nutricional da nossa população precisamos fortalecer nossa capacidade de produção, abastecimento e comercialização que amorteça e nos permita agir precocemente a qualquer risco de desabastecimento e aumento de preços de alimentos oriundos de fatores sazonais, climáticos e/ou econômicos nacionais e internacionais ou qualquer outro fator”, afirma a presidenta do Consea.
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