Haddad destaca contas em ordem e compromisso social. E justiça tributária como marca de governo
Ministro da Fazenda fala do compromisso em fazer a tributação aliviar o trabalhador e chegar ao andar de cima, do rigor com as contas públicas e com a justiça social e da confiança no sucesso do terceiro governo Lula
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Na entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao ICL Notícias, na sexta-feria (21/2), nenhum dos principais assuntos da economia e da política nacional passou em branco. O ministro falou sobre o esforço pela aprovação da reforma tributária sobre o consumo, destacando que neste ano o esforço para fazer justiça tributária continua. Haddad reafirmou que o Governo dá prioridade ao projeto de isenção do imposto de renda para quem tem renda mensal de até R$ 5 mil, que deve entrar em vigor a partir de 2026. Neste ponto, frisou o ministro, o desafio maior não será a isenção, mas aprovar a cobrança sobre "quem grita mais", aqueles que ganham muito e não pagam nada.
O ministro rebateu críticas do próprio campo progressista sobre uma suposta atenção dada em demasia ao mercado – disse que dedicou 19% de sua agenda de encontros e reuniões a representantes do setor financeiro, e os 81% restantes a representantes do setor produtivo. Observou que agentes do mercado pegaram leve com os governos anteriores, que negligenciaram as contas públicas, enquanto pegam pesado com o atual, que põe as contas em ordem sem descuidar do compromisso social. Haddad assegurou também a preocupação prioritária com a sustentabilidade de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – que tiveram desembolsos recordes no último ano.
Fernando Haddad classificou como "moleque" um deputado que manipulou com fake news a polêmica em torno do Pix. Disse que o Brasil trava um firme embate contra o golpismo, e que o país é referência global na defesa da democracia. Mas alertou que setores da imprensa ainda flertam perigosamente com a extrema direita.
O ministro assegurou ainda que não tem planos de candidatura em 2026, e que o presidente Lula está com muita energia para dar continuidade ao trabalho de reconstrução do Brasil. Haddad também definiu a justiça tributária como uma grande marca deste mandato.
A entrevista foi concedida aos jornalistas Leandro Demori e Deborah Magagna, durou cerca de 50 minutos e pode ser conferida na íntegra a partir deste ponto. A seguir são destacados alguns trechos importantes do diálogo.
Isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil a partir de 2026
O ministro da Fazenda disse não ver dificuldade em aprovar a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil a partir de 2026. E observou que o desafio será obter a compensação, ou seja, fazer com que uma tributação que hoje não existe para que ganha muito passe a existir.
“Estamos fazendo a reforma tributária mais ambiciosa e progressista da história do Brasil. Prevemos via cashback que pessoas inscritas no CadÚnico [Cadastro Único] tenham parte do imposto pago devolvido. Queremos inverter as resistências conhecidas, que quem não paga passe a pagar. O desafio não vai ser isentar (até R$ 5mil). mas vai ser compensar. Teremos que ir para o andar de cima. Esse é o grande trunfo deste terceiro mandato do presidente Lula, a aprovação da maior reforma tributária da História. Não estamos preocupados em aumentar a arrecadação — estamos promovendo justiça tributária.”
Garantia dos programas sociais
O ministro lembrou que o governo anterior, com o "desespero do governo anterior em se manter no poder", os programas foram desmantelados e desorganizados.
“Os cadastros desses programas foram desorganizados em 2022 com objetivos eleitorais. A rede de proteção tem que estar calibrada. É natural que o Estado observe as regras do programas, como o Bolsa Família e o BPC, para que estejam chegando nas pessoas certas. É o maior BPC da história, o maior Bolsa Família da história. Felizmente, podemos oferecer, mas não é bom geri-los bem? Até para serem sustentados.”
Nova modalidade para o consignado
Um novo modelo de crédito consignado propostos pelo governo deve entrar em prática no próximo mês. O objetivo, ao abrir aos aos bancos a informações do e-Social, é facilitar a concessão de crédito consignado para trabalhadores do setor privado. De acordo com Haddad, isso permitirá reduzir pela metade os juros pagos pelo trabalhador, que ao se financiar pelos meios convencionais paga juros de pelo menos 5,5% ao mês.
“Daremos 90 dias para a pessoa trocar empréstimo de 5,5% por um que ofereça a metade. As pessoas terão 90 dias para migrar, porque agora têm garantia. Às vezes, o trabalhador nem sabe quanto está pagando de juro. Ele toma o empréstimo que precisa. O consignado no e-Social vai permitir juros muito menores no empréstimo, não importa onde esse trabalhador esteja empregado. Estamos fazendo algo estrutural para o futuro do Brasil”, concluiu o ministro.
Cobrança seletiva dos agentes do mercado financeiro
E, apesar disso, os governos conservadores não receberam pressão do mercado financeiro ou de setores da imprensa para promover ajustes.
Na entrevista ao canal ICL, Haddad listou os esforços e resultados do atual Governo para equilibrar as contas, assim como fez Lula em seus dois primeiros mandatos. Embora obtenha resultados superiores aos governos conservadores, por ter como prioridade aliar a responsabilidade fiscal com o resgate de programas sociais, sofre maior pressão e cobranças por parte de agentes do mercado financeiro – como agências de classificação de riscos e setores das imprensa comercial.
Observa ainda que governos anteriores, mais alinhados a cartilhas do mercado, negligenciaram regras fiscais e a preocupação com déficits primários. Cita como exemplo os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e seus ministros responsáveis pela área econômica, Henrique Meirelles e Paulo Guedes.
“Dois ministros que eram declaradamente de direita, que defendiam Estado mínimo e outras coisas. Veja os déficits públicos que eles produziram. E nem por isso eles sofriam pressão para ajustar as contas”, disse o ministro. “E não ajustaram”, concluiu.
Resultado primário do Governo Central nos últimos anos*
• 2016: -2,6% do PIB
• 2017: -1,9% do PIB
• 2018: -1,7% do PIB
• 2019: -1,3% do PIB
• 2020: -9,8% do PIB
• 2021: -0,4% do PIB
• 2022: + 0,5% do PIB**
• 2023: -2,1% do PIB***
• 2024: -0,09% do PIB
* Linha do tempo preparada pelo Tesouro Nacional.
** Em 2022, o governo Bolsonaro não pagou precatórios e vendeu a Eletrobras para fazer caixa.
*** Em 2023, o governo Lula pagou R$ 92,4 bilhões em dívidas deixadas pelo governo anterior.
Haddad destaca a pressão que o atual Governo recebe para cortar gastos. Segundo ele, o tratamento é bem diferente da condescendência desfrutada pelos dois governos anteriores, sem citar nominalmente os ministros que o antecederam na função.
Em relação a Guedes e Bolsonaro, foi mais explícito: “(a dupla) Dilapidou o patrimônio público e ainda deu calote. Porque precatório é dívida pública, e (o governo Bolsonaro) deu calote”, diz.
Haddad se refere aos R$ 92,4 bilhões que a gestão Guedes-Bolsonaro deixou de pagar em precatórios, dívida que foi honrada em 2023 pelo Governo Lula. Esse calote foi usado para obter um resultado primário melhor ao final de 2022, ano em que a gestão ampliou gastos com objetivos eleitorais.
Junto com esse calote, acentua Haddad, houve ainda privatizações, como a da Eletrobras, empresa estatal vendida em 2022 abaixo do valor de mercado, cujo dinheiro foi usado para equilibrar contas. Em 2021, Guedes e Bolsonaro também venderam patrimônio público, como a refinaria Landulpho Alves, na Bahia, operação denunciada pela Controladoria-Geral da União como abaixo do preço de mercado.
“Você não consegue doar uma Eletrobras por ano, todo ano, para agradar os amigos”, criticou Haddad. “É uma coisa da mão para a boca.” O ministro ainda salienta que a verba resultante da venda não foi usada para nenhum investimento produtivo, porque as privatizações alardeadas por Guedes não tinham planejamento nem caráter “estrutural”.
Sobre o período Temer – novamente sem citar nominalmente o ministro Meirelles – Haddad destacou que “o governo cochilou” no episódio da “tese do século”. Em março de 2017, o STF julgou e decidiu pela exclusão do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) da base de cálculo do PIS/Cofins.
Haddad acredita que a falta de preparo do governo de então causou prejuízo de R$ 1 trilhão para os cofres públicos. Segundo o ministro, isso gerou mais dívida pública. “Hoje, a dívida seria 10% do PIB menor”, calcula.
Outra distorção apontada pelo ministro da Fazenda no tratamento dado ao governo Lula, em comparação com governos conservadores e com baixo investimento em políticas sociais, ocorre na questão tributária. Mesmo sem ter aumentado a carga ou criado novas alíquotas, a atual gestão é acusada de elevar impostos. O mesmo não ocorreu, por exemplo, com o governo Fernando Henrique, que ao criar o Plano Real elevou o nível de taxação, argumenta Haddad.
“Mas não podemos ficar reclamando disso. Temos de trabalhar para mostrar que, mesmo com todas as dificuldades, podemos fazer melhor.”
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