Gil, Doutor Honoris Causa: sua gestão como ministro da Cultura tem a ver com isso
Em artigo, pesquisadora relembra que a indicação ao título, concedido recentemente, é anterior à sua eleição como imortal da ABL. E o principal motivo foi sua gestão como ministro da Cultura

A UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) aprovou em abril o título de Doutor Honoris Causa a Gilberto Gil, mas a indicação não é de agora. Antes mesmo de Gilberto Gil ocupar a cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), o professor Jean Segata iniciou o processo pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS, em 2022, motivado pela minha tese "Ministério com Cultura: gestão Gilberto Gil", defendida em 2020, no âmbito do programa de Políticas Públicas da UFRGS.
No ano de 2003, Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura, a convite de Lula, então presidente da República. Pela primeira vez, um artista assumia um cargo de ministro, que até então só tinha sido ocupado por economistas, administradores e sociólogos. Nesse momento, eu intuía que algo poderia ter um desfecho muito favorável, mas não imaginava tal proporção, que as suas políticas iriam repercutir até os dias atuais. A minha tese é que houve uma mudança na agenda. De fato, a sua gestão foi considerada um marco na política cultural brasileira.
Na solenidade de transmissão de cargo, Gilberto Gil, em seu discurso de posse, defendeu uma ampliação profunda do conceito de cultura, incluindo novas áreas, somando com aquelas que já faziam parte do sistema, abarcando os fazeres e saberes populares: culturas populares, afro-brasileiras, indígenas, mulheres, LGBT, periferias, novas tecnologias, entre muitas outras, e não apenas ao universo restrito das belas-artes como sendo “cultura”.
A "ampliação do conceito de cultura" nas suas dimensões antropológica e simbólica – ideia implementada pelo ministro – deu origem às novas diretrizes das políticas culturais gestadas em seu mandato.
Tive a honra de trabalhar no Ministério da Cultura entre 2005 e 2009. Foi quando pude conhecer melhor a sua atuação, a forma como o ministro geria, construía e defendia a importância de se preservar a cultura como objeto de política pública. Gil nos mostrou na prática tudo o que conhecemos e aprendemos na teoria.
Em 2003, o então ministro fez show na ONU e convidou para tocar Kofi Annan, à época secretário-geral da organização. Foto: reprodução do Youtube
Uma gestão para além de um cargo político. As mudanças institucionais e as ações do Ministério da Cultura produziram diversos desdobramentos positivos. Neste período, foram registradas a construção dos principais mecanismos da gestão Gil, que passaram a integrar a agenda do governo: Sistema Nacional de Cultura, reformulação da Lei Rouanet, Programa Cultura Viva – Pontos de Cultura, Plano Nacional de Cultura e Vale-Cultura.
A sua gestão trouxe a reflexão da abertura não somente conceitual, mas também a abertura do diálogo entre diversos atores da sociedade civil neste processo. Foram inúmeras as contribuições do ministro Gilberto Gil na construção das novas diretrizes e das novas políticas culturais no Brasil a partir de 2003.
Pensamos em homenageá-lo com o título de doutor honoris causa, em reconhecimento à sua contribuição política e humanística enquanto Ministro da Cultura. A ideia surgiu a partir de uma entrevista com o Gil, realizada por mim e pelo meu orientador, Jean Segata, em 2020.
“O povo sabe o que quer. Mas o povo também quer o que não sabe” (GIL, 1998)
Adriana Donato é doutora em Políticas Públicas pela UFRGS
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