'Quem trabalhou para que Trump adotasse essa taxação trabalhou contra o Brasil'
Em entrevista à Voz do Brasil, o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana, destacou que os danos da medida viriam para os dois países

O presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana, afirmou que, com bom senso, a relação comercial de 201 anos entre o Brasil e os Estados Unidos deve ser mantida. Em entrevista à Voz do Brasil, nesta quinta-feira (10/7), Viana destacou que, caso contrário, os danos devem afetar os dois países.
No fundo, o dano que uma medida dessa causaria é muito intenso, eu diria, no Brasil e nos Estados Unidos, nos dois lados. Eu acho que vai ter uma reação forte de setores produtivos nos Estados Unidos, que dependem desses produtos que o Brasil fornece, e vai ter uma reação muito forte aqui", destacou Viana.
"É importante nós abrirmos um diálogo com o pessoal do aço, o pessoal do suco de laranja, o pessoal do café, o pessoal da carne, da proteína animal, para a gente ouvir também os setores, porque eles estão aqui e estão lá também”, destacou o presidente da ApexBrasil", acrescentou.
O governo dos Estados Unidos anunciou na quarta-feira (9/7), que será cobrado do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras enviadas para o país. Em carta ao presidente Lula, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que as sanções passam a valer a partir do dia 1º de agosto.
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Para Jorge Viana, os países devem entrar em consenso ainda neste mês. “Nós apostamos que até o dia 1º de agosto é possível, se separarmos a parte ideológica, mais política da carta e trabalharmos a parte comercial, acho que é possível ter entendimento, porque os Estados Unidos também precisam e dependem desse fornecimento que o Brasil oferece para eles. Tem muitos setores internos nos Estados Unidos que são dependentes disso”, pontuou Viana.
Então o mundo hoje criou esse ambiente de dependência de um país ao outro e eu acho que o Brasil, que tem 201 anos de bom comércio com os Estados Unidos, precisa que haja bom senso e isso seja mantido”, completou.
Confira a entrevista completa. Ou leia a íntegra a seguir
Presidente, o senhor esteve hoje reunido com o presidente Lula. Quais foram as orientações do governo sobre a reação do Brasil ao aumento das tarifas aí norte-americanas?
Eu acho que está tendo um consenso nacional, fazia tempo que a gente não via isso no Brasil, de entender que essas medidas que vieram numa carta são muito ruins.
Uma coisa são as disputas políticas, as diferenças ideológicas, a outra é ter um ato que gera uma guerra, que destrói negócios, destrói empregos e prejudica um país inteiro. É isso que nós estamos falando. A carta, por exemplo, ela pode ser dividida em duas partes.
Uma que trata, é quase uma intervenção externa no Brasil, afetando o judiciário, que é inquestionável, porque afeta a soberania do Brasil, e a outra trata do comércio. Como a ApexBrasil trabalha com a parte de comércio, com atração de investimentos, se nós formos pegar do comércio, o problema é que a base de dados usada na carta do comércio também não é verdadeira. Porque, como foi dito ainda há pouco, desde 2009, o comércio Brasil-Estados Unidos é ótimo para os Estados Unidos e bom para o Brasil, porque os Estados Unidos são superavitários, quase US$ 400 bilhões.
E para o Brasil também é bom, porque mais de 70% do que a gente exporta, a gente trabalha com produtos com alto valor agregado, tem manufaturas. Dessa exportação sai mais de 34% de São Paulo, 70% é do Sudeste, que vai ficar muito afetado se se efetivar essa tarifa.
Eu não sei se tem alguém trabalhou para essas medidas virem lá nos Estados Unidos. Mas se trabalhou, trabalhou contra o Brasil, é lamentável. Mas agora é acreditar também que é possível rapidamente resolver. Porque se os Estados Unidos têm muito déficit com a Europa, como tem com a China, com seus vizinhos Canadá e México, com o Brasil ele tem superávit.
E aí, se o interesse dos Estados Unidos é diminuir o déficit, o Brasil é um aliado, porque dá superávit para os Estados Unidos.
Só para a gente deixar mais claro, um pouco para o nosso ouvinte, quando a gente fala de superávit com o Brasil, quer dizer que os Estados Unidos vendem mais para o Brasil do que compram de produtos brasileiros, não é, presidente? O presidente Lula tem dito que, na presidência do Mercosul, vai trabalhar para concluir os acordos de livre comércio do bloco, tanto com a União Europeia, quanto com o EFTA (formado por países europeus que não estão na União Europeia). Além disso, o Brasil também tem procurado ampliar as parcerias comerciais na Ásia, com a Indonésia e a Índia, por exemplo. Esses movimentos ajudam a reduzir os impactos de uma possível redução do mercado americano?
Esses movimentos ajudam a reduzir os impactos de uma possível redução do mercado norte-americano? Nós da Apex estamos trabalhando também com o cenário. Claro que todos, como disse o ministro Haddad, nós apostamos que até o dia 1º de agosto é possível, se separarmos a parte ideológica mais política da carta e trabalharmos a parte comercial, eu acho que é possível ter entendimento, porque os Estados Unidos também precisam e dependem desse fornecimento que o Brasil oferece para eles. Tem muitos setores internos nos Estados Unidos que são dependentes disso.
Se nós pegarmos o suco de laranja, o Brasil exporta US$ 1,1 bilhão de dólares de suco de laranja, mais de 70% do suco consumido nos Estados Unidos é brasileiro. Nós temos uma Embraer que exporta US$ 2,7 bilhões para os Estados Unidos, e só tem três grandes produtores de avião no mundo: a Airbus, a Boeing e a Embraer. Então há uma dependência, o maior consumo de jatos executivos é dos Estados Unidos. E o maior fornecedor é a Embraer. Nós temos mais de 1.500 aviões voando lá. Quando você fala da carne bovina, nós exportamos quase US$ 900 milhões.
Eles comem muito hambúrguer, e eles precisam da carne brasileira, que é menos gordurosa, para misturar com a carne deles, para poder inclusive fazer um hambúrguer. Então tem uma integração das cadeias produtivas que não pode ser rompida por um ato exclusivo. O café, nós exportamos 8 milhões de sacas, quase R$ 1,8 bilhão de dólares, e os Estados Unidos multiplicam esse ganho, com a indústria interna deles, nas cafeterias, nas máquinas, e eles transformam isso em quase 30 vezes mais para eles.
Então, o mundo hoje criou esse ambiente de dependência de um país ao outro e eu acho que o Brasil, que tem 201 anos de bom comércio com os Estados Unidos, precisa que se tenha bom senso e isso seja mantido. Uma coisa é o conflito lá com a China, com os próprios vizinhos Canadá e México, com a União Europeia. Mas com o Brasil, o Brasil não tem conflito com ninguém, o Brasil trabalha bem com todos os países do mundo, está crescendo o seu comércio e, como o presidente diz, nós queremos vender mais e comprar mais. Então, tem um mercado aberto aí para ampliar o acordo com os Estados Unidos.
Nós exportamos US$ 40 bilhões e como eu disse 70% saiu do Sudeste. Então quem mais vai se prejudicar, se efetivar, é o governo de São Paulo, é o povo paulista. E importamos US$ 47 bilhões. É muito importante, porque a qualidade do comércio com os Estados Unidos é boa para eles e boa para o Brasil.
E com relação aos pequenos negócios, que já representam cerca de 40% do total de empresas exportadoras do país. Como serão afetados por esse aumento em 50% nas tarifas comerciais?
Então, no fundo, o dano que uma medida dessa causaria é muito intenso, eu diria, nos dois lados. Eu acho que vai ter uma reação forte de setores produtivos nos Estados Unidos, que dependem desses produtos que o Brasil fornece. E vai ter uma reação muito forte aqui. Eu falei com o presidente Lula hoje que é importante nós abrirmos um diálogo com o pessoal do aço, o pessoal do suco de laranja, o pessoal do café, o pessoal da carne, para a gente ouvir também os setores, porque eles estão aqui e estão lá também.
Hoje praticamente 30% do mercado de carne bovina lá nos Estados Unidos é de empresas brasileiras. Então, vai dar para a gente ter um trabalho com o interesse do comércio em primeiro lugar, ser pragmático. Se nós fizermos isso, eu acho que nós vamos seguir essa relação de amizade de 201 anos que temos com os Estados Unidos, independente de quem esteja no governo lá ou aqui.
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