1ª Conferência das Mulheres Indígenas chega ao fim com entregas históricas e promessa de continuidade
Reconhecimento de terras, prêmios inéditos e a criação do grupo de trabalho para a Política Nacional para Mulheres Indígenas (PNMI) marcaram o encerramento do encontro, que reuniu milhares de mulheres de diferentes povos em Brasília

A 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas chegou ao fim nesta quarta-feira (6/8), em Brasília, com uma série de anúncios voltados ao fortalecimento dos direitos, da autonomia e da presença política das mulheres indígenas no Brasil. Diante de uma plenária repleta de lideranças de todos os biomas e regiões do país, foram oficializadas três iniciativas que abrem caminho para uma nova etapa na formulação de políticas públicas construídas com escuta, participação e protagonismo indígena.
A principal iniciativa foi a criação do Grupo de Trabalho responsável por consolidar as propostas construídas ao longo da conferência e elaborar a minuta do ato normativo que estabelecerá a Política Nacional para Mulheres Indígenas (PNMI). Assinado entre os ministérios dos Povos Indígenas e das Mulheres, a portaria cria um GT com caráter interministerial, composição autônoma e funcionará de forma colaborativa, reunindo diferentes órgãos do governo, lideranças indígenas e representantes da sociedade civil.
O norte para esse grupo será o Caderno de Resoluções da Conferência, entregue pelas mulheres às autoridades presentes. O documento sistematiza 50 propostas prioritárias aprovadas nas plenárias, organizadas nos cinco eixos temáticos do evento: Direito e Gestão Territorial; Emergência Climática; Políticas Públicas e Violência de Gênero; Saúde; e Educação e Transmissão de Saberes Ancestrais. O material também incorpora contribuições das sete etapas regionais realizadas em todos os biomas do país.
Quero agradecer imensamente a todas as mulheres que dedicaram esses dias à construção das 50 propostas prioritárias que foram apresentadas aqui. [...] Foram cinco séculos até que as mulheres indígenas pudessem ser ouvidas de forma direta, trazendo suas demandas a partir das realidades regionais. Por isso, é justo termos este momento específico para escutar as mulheres indígenas.”, disse a ministra Sonia Guajajara durante o encerramento do evento.
Jozileia Kaigang, diretora executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), uma das associações parceiras da realização da conferência, foi a responsável por entregar o compilado de diretrizes para formulação da nova política. Segundo ela, a medida representa um passo decisivo para transformar as deliberações do evento em diretrizes concretas de promoção e garantia de direitos. Em seu discurso, ela leu a “Carta pela vida e pelos corpos-território. Nosso corpo é território, somos as guardiãs do planeta pela cura da terra”.
“Com a presença de mais de 5 mil mulheres indígenas, de mais de 100 povos, oriundas de todas as regiões e biomas do Brasil, tornamos público esse documento com as 50 propostas prioritárias deliberadas em plenária para orientar e fortalecer a implementação de políticas públicas voltadas às mulheres indígenas. Essa conferência é resultado do processo de escuta, mobilização e construção coletiva articulado pela Anmiga, com etapas regionais realizadas nos sete biomas brasileiros. Nosso objetivo foi consolidar as principais demandas e propostas das mulheres indígenas nos cinco eixos temáticos que estruturaram este processo”, disse.
A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, enfatizou que os compromissos assumidos em Brasília devem se refletir em ações concretas nos territórios. “Agora, a partir desta conferência, nós temos muito trabalho pela frente. Assinamos aqui a portaria do grupo de trabalho que vai elaborar o plano nacional, mas isso não pode ficar aqui em Brasília, isso tem que chegar em cada lugar que vocês moram”, afirmou. A ministra sugeriu, inclusive, a realização de audiências públicas com mulheres indígenas em Assembleias Legislativas de todos os estados. “Vocês têm que falar para os parlamentares quem são vocês, o que é que vocês querem, o que é que vocês desejam, o que é que vocês são capazes de fazer”, chamou as indígenas.
HOMENAGENS
Durante o evento, também foram formalizadas outras duas ações. A primeira foi a publicação do edital do Prêmio Mre Gavião, voltado a comunicadores e comunicadoras indígenas, em homenagem ao fotógrafo e servidor do MPI que morreu este ano. “É um edital que está público, que os jovens comunicadores podem agora acessar e assim levar o nome do Mre Gavião”, disse a ministra Sonia Guajajara.
Parentes e amigos do comunicador estiveram no palco durante a cerimônia e se emocionaram ao lembrar da sua trajetória. Representantes da aldeia Krijoherê, no Pará, afirmaram que ele é motivo de grande orgulho para o povo Gavião, por tudo o que construiu com sua câmera, sua sensibilidade e seu compromisso com a luta dos povos indígenas.
Outra entrega foi a criação do Programa do Prêmio Nega Pataxó, também oficializado por portaria. A iniciativa homenageia a trajetória de Maria de Fátima Muniz Andrade, liderança espiritual do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, e tem como foco o fortalecimento da autonomia, da participação política e da proteção integral das mulheres indígenas.
O programa prevê ações que vão desde a preservação dos saberes ancestrais até o combate à violência e o apoio à incidência política, reconhecendo o papel das mulheres na preservação cultural, na defesa dos territórios e na construção de um futuro com justiça social e ambiental. “Assim a gente traz essa memória da Negra Pataxó para que possamos, cada vez mais, combater e acabar com a violência contra os povos indígenas, contra as mulheres indígenas que seguem lutando pela terra”, afirmou Guajajara.
HOMOLOGAÇÃO
Antes do encerramento, na tarde de quarta-feira (06/08), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de homologação de mais três Terras Indígenas. Ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, em evento no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), foram reconhecidas as Terras Indígenas Pitaguary, Lagoa Encantada e Tremembé de Queimadas, todas no estado do Ceará. Com o anúncio, são 16 territórios indígenas homologados desde o início desta gestão do governo federal e da criação do MPI.
O anúncio foi motivo de celebração durante a conferência. Mulheres dos povos Pitaguary, Tremembé e Jenipapo-Kanindé, lideradas pela Cacika Irê, uma das principais lideranças do estado, foram recebidas com aplausos por todas as participantes, que celebraram juntas a conquista que coroou os três dias de debates e mobilização em Brasília. Uma vitória para o movimento indígena cearense, que simboliza um gesto de reparação, respeito e compromisso do Estado brasileiro com a vida, a cultura e os direitos dos povos originários.
“É um dia realmente histórico”, afirmou Guajajara. “O presidente Lula demonstra a força, a coragem e o compromisso dele ao assinar, nesse dia tão turbulento, três demarcações de terras indígenas no Ceará”, afirmou a ministra.
Joenia Wapichana, presidenta da Funai, destacou o simbolismo e a força do momento. A homologação das terras, assim como as demais entregas feitas durante a conferência, representa uma conquista impulsionada por mulheres que vivem da terra, dos recursos naturais e que lutam para manter sua cultura e criar seus filhos com dignidade.
“Quando uma mulher tem uma vitória, é a nossa vitória. Quando uma mulher sofre, é o nosso sofrimento, porque nós sentimos as dores das mulheres. Isso se chama sensibilidade, isso se chama humanidade, mas, acima de tudo, é nossa origem como mulheres. Eu quero parabenizar todas vocês por estar construindo esse marco da política para as mulheres indígenas”, disse.
As áreas homologadas são as Terras Indígenas Pitaguary, Tremembé de Queimadas e Lagoa Encantada. Os territórios reconhecidos foram definidos com base no estágio avançado dos processos administrativos e priorizaram as comunidades que aguardavam há anos pelo reconhecimento de seus direitos territoriais. Ao todo, são 16 os territórios oficialmente reconhecidos desde o início da atual gestão federal e da criação do Ministério dos Povos Indígenas.
Na esteira da homologação das terras indígenas, a presidenta da Funai também anunciou outra entrega estratégica da gestão: a assinatura do decreto de reestruturação do órgão. “Essa estruturação é nossa. Agora, a gente vai lutar pelo orçamento digno, porque não basta simplesmente reestruturar [trazer mais] pessoas. Queremos recursos também no orçamento. Queremos que tenham condições para dizer, mulheres, nós temos projetos, nós temos condição de valorizar, mas também apoiar na implementação das necessidades específicas das mulheres indígenas”, disse Wapichana.
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