Relações exteriores

'A descarbonização não é uma escolha, mas uma necessidade', afirma Lula

"Se o aquecimento global dizimar a floresta, o povo amazônico será a primeira vítima. É mais do que justo que sua voz seja ouvida e a participação social será chave para o sucesso da COP 30", disse o presidente em reunião com países amazônicos

Paulo Donizetti de Souza | Agência Gov
22/08/2025 18:35
'A descarbonização não é uma escolha, mas uma necessidade', afirma Lula
Ricardo Stuckert/PR
"Não faz sentido uma região tão rica sofrer tanto com a fome e a pobreza"

O presidente Lula afirmou que o Brasil vai transformar áreas de desmatamento em arcos de reflorestamento na Amazônia. "Vamos transformar o arco verde do desmatamento no arco da restauração, recuperando 12 milhões de hectares de vegetação nativa. Temos hoje quase 130 unidades de conservação na Amazônia e homologamos 16 novas terras indígenas em todo o país. O povo amazônico merece viver livre da violência", afirmou. Lula participa nesta sexta-feira (22/8) 5ª Cúpula de Presidentes dos Estados Partes do Tratado de Cooperação Amazônica, em Bogotá.

A reunião de nível presidencial ocorre na Casa de Nariño, sede do governo da Colômbia e residência do presidente Gustavo Petro. Além dos presidentes do Brasil e da Colômbia, e da vice-presidente do Equador, Verónica Abad, e representantes de outros países amazônicos têm participação confirmada no evento.

Em seu pronunciamento, o líder brasileiro classificou a reunião como uma renovação dos compromissos projetados pela OTCA na cúpula em que elaborou a Declaração de Belém, há dois anos. Lula defendeu o fortalecimento da cooperação regional na definição de ações estratégicas no âmbito da COP 30 – a conferência do clima da ONU que ocorre em novembro também na capital paraense.

A COP será, segundo o governo brasileiro, base para uma nova plataforma de proteção da Amazônia, garantir direitos e o bem-estar de seus povos e projetar a região na agenda global.

O presidente ressaltou a importância da construção de uma nova realidade energética. A substituição dos combustíveis fósseis e demais emissores de gases de efeito estufa por energia limpa. Voltou a cobrar a construção de uma nova governança global para liderar o enfrentamentos do aquecimento global. E enfatizou a importância da cooperação regional, também, para o enfrentamento da violência. O que, segundo Lula, passa pelo combate à pobreza e à fome, a inclusão social e a geração de oportunidades – sem o que os povos amazônicos se tornam vulneráveis ao crime organizado e aos garimpeiros e mineradores ilegais. 

O povo amazônico merece viver livre da violência. Violência que destrói a floresta e envenena as águas. Que acaba com o sustento dos pescadores e dos extrativistas. Que expulsa indígenas de suas terras e ribeirinhos das suas casas. Que tira a vida de quem luta por a Amazônia, como Chico Mendes, Dorothy Stang, Bruno Pereira e Dom Felipe e tantos outros", observou o presidente. "Não faz sentido uma região tão rica sofrer tanto com a fome e a pobreza."

O engajamento dos países ricos tanto na construção de uma transição energética quanto na financiamento da proteção das florestas também foi cobrado pelo presidente do Brasil. 

"Há muito tempo que os países ricos nos acusam de não cuidar da floresta. Aqueles que poluíram o planeta tentam impor modelos que não nos servem. Utilizam a luta contra o desmatamento como justificativa para o protecionismo. Usam o combate ao crime organizado como pretexto para violar nossa soberania. Mas está chegando o momento de mostrar ao mundo a realidade da Amazônia. Ela não é só feita de árvores, é também de gente que vive e respira todos os dias", disse.

Desse modo, destacou que o futuro do bioma não depende apenas dos países amazônicos. "Mas mesmo que mais nenhuma árvore seja derrubada, a floresta continuará em risco se o resto do mundo não avançar na redução de gases de efeito estufa. A dependência de combustíveis fósseis nos condena a um futuro incerto. O caminho mais promissor é o da diversificação das fontes."

Ao fazer um balanço das ações do Governo Federal, que nos últimos dois anos voltou a colocar a Amazônia no centro das políticas públicas, Lula reiterou a defesa intransigente do multilateralismo como forma de as nações de relacionarem comercialmente e politicamente. 

Você não pode fazer o que o presidente americano está fazendo. Tomando decisões sozinhas sem levar em conta que existe o OMC, sem levar em conta a ONU, sem levar em conta nada. Então é nesse clima que a gente vai chegar na COP 30"

O presidente lamentou a falta de engajamento dos países ricos com os compromissos e acordos discutidos em outras conferências climáticas da ONU. "Quem é industrializado não quer parar de ser industrializado. Quem já está rico não quer fazer o sacrifício para fazer o quê? Nós temos tudo para fazer. O Brasil, por exemplo, tem 40 milhões de hectares de terra para recuperar. Você pode florestar com o que você quiser. Certamente a Colômbia tem, certamente a Bolívia tem, certamente todos os países amazônicos têm."

Nesse aspecto, enfatizo que os países mais industrializados precisam ajudar a financiar tudo isso: "Para que eles provem se eles querem ou não fazer com que o clima não permita o aquecimento além de um grau e meio. E, portanto, tem que ter uma governança mundial. E para ter essa governança mundial você não pode acabar com o multilateralismo".

Lula informou ainda que enviou cartas oficiais a todos os chefes de Estado convidando-os a participar da COP 30, inclusive ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. "Ele está sendo convidado para ir na COP. Não é uma carta eletrônica, não. É com a minha assinatura, para ele demonstrar se eles vão tratar com seriedade essa COP ou não. Porque se não tratarem com seriedade nós vamos ter que pensar o que fazer daqui pra frente para cuidar do planeta."


Assista ao pronunciamento de Lula, e leia a seguir o trecho escrito de seu discurso

Estar aqui é ver a semente que plantamos há dois anos crescer e frutificar.

Na Cúpula de Belém, eu disse que aquele momento representava o início de um novo sonho amazônico.

Uma canção brasileira diz que sonhos que sonhamos juntos viram realidade.

Se estamos aqui hoje é porque o governo e o povo colombianos sonharam conosco e trabalharam para avançar na construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Em 2023, os Diálogos Amazônicos reuniram quase 30 mil pessoas, que nos ajudaram a formar essa nova visão.

Hoje, este encontro dos presidentes com a Sociedade Civil e Povos Indígenas abre caminho para a COP 30.

Eu quero outra vez agradecer à Colômbia por dar continuidade a essa experiência e manter a porta da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica aberta a todos.

A OTCA é uma plataforma viva, que precisa estar à altura dos desafios da atualidade e sensível aos anseios da sociedade.

Nesses dois anos, avançamos muito no seu fortalecimento.

Testemunhamos a histórica estruturação do Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas, que vai incluir quem tem sido excluído há mais de cinco séculos.

Espero que, em breve, possamos contar com a OTCA Social, para garantir contato permanente entre a sociedade civil e as instâncias decisórias da Organização.

A OTCA forte depende de meios institucionais e financeiros adequados.

Mas não se sustenta sem estratégias e políticas nacionais robustas.

No Brasil, a Amazônia voltou ao centro da ação governamental.

Nos primeiros dois anos de governo, reduzimos quase que pela metade o desmatamento na região.

Vamos transformar o Arco do Desmatamento no Arco da Restauração, recuperando 12 milhões de hectares de vegetação nativa.

Temos hoje quase 130 unidades de conservação na Amazônia, e homologamos dezesseis novas terras indígenas em todo o país.

O povo amazônico merece viver livre da violência.

Violência que destrói a floresta e envenena as águas.

Que acaba com o sustento dos pescadores e dos extrativistas.

Que expulsa indígenas de suas terras e ribeirinhos das suas casas.

Que tira a vida de quem luta pela Amazônia, como Chico Mendes, Dorothy Stang, Bruno Pereira, Dom Philips e tantos outros.

Por isso, fortalecemos ações de fiscalização ambiental.

Reduzimos a praticamente zero o índice de áreas de garimpo ilegal no Território Yanomami, no estado de Roraima.

Inauguramos, em Manaus, o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, que vai facilitar a coordenação com países amazônicos no combate ao crime organizado.

A falta de oportunidades é uma injustiça contra o povo amazônico.

O acesso à educação, à saúde e à moradia não pode ser privilégio de poucos.

O povo amazônico quer empreender, trabalhar, produzir e viver.

Estamos colocando em prática a noção de bioeconomia.

Nosso programa de Florestas Produtivas vai fomentar o plantio de espécies nativas em paralelo com o cultivo de alimentos.

Não faz sentido que uma região tão rica sofra tanto com a fome e a pobreza.

Expandimos o Bolsa Verde, que transfere renda para famílias que vivem em unidades de conservação e comunidades tradicionais.

Queridas amigas e amigos,

Quando oferecemos o Brasil como sede da COP 30, sabíamos que essa reunião não poderia acontecer em nenhum outro lugar senão na Amazônia.

Há muito tempo que os países ricos nos acusam de não cuidar da floresta.

Aqueles que poluíram o planeta tentam impor modelos que não nos servem.

Utilizam a luta contra o desmatamento como justificativa para o protecionismo.

Usam o combate ao crime organizado como pretexto para violar nossa soberania.

Mas está chegando o momento de mostrar ao mundo a realidade da Amazônia.

Ela não é só feita de árvores. É também de gente – que vive e respira todos os dias.

O futuro do bioma não depende só dos países amazônicos.

Mesmo que mais nenhuma árvore seja derrubada, a floresta continuará em risco se o resto do mundo não avançar na redução de gases de efeito estufa.

A dependência de combustíveis fósseis nos condena a um futuro incerto.

O caminho mais promissor é o da diversificação das fontes.

A descarbonização não é uma escolha, ela vai se tornando uma necessidade.

Os cientistas alertam sobre pontos de não retorno que podem desencadear processos irreversíveis.

As chuvas que nutrem nossos campos e abastecem nossas cidades se reduzirão.

Incêndios e secas farão parte da nossa rotina.

Muitos perderão seus meios de vida. Outros tantos poderão ter de abandonar seus lares.

Nossas economias serão gravemente impactadas.

Se o aquecimento global dizimar a floresta, o povo amazônico será a primeira vítima.

É mais do que justo que sua voz seja ouvida.

A participação social será um elemento chave para o sucesso da COP 30

A presidência brasileira lançou quatro círculos de diálogo.

O Círculo dos Presidentes de COPs anteriores está empenhado em garantir que as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas estejam à altura dos objetivos do Acordo de Paris.

O Círculo dos Ministros da Fazenda está trabalhando para ampliar o financiamento para além dos 300 bilhões de dólares negociados na COP de Baku.

Vamos lançar, em Belém, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, um mecanismo inovador que vai remunerar os países que mantêm suas florestas em pé.

Nesse mesmo espírito, o Círculo dos Povos está amplificando a voz de indígenas e afrodescendentes, contribuindo para incorporar práticas e saberes tradicionais ao debate climático.

O Círculo do Balanço Ético Global tem sido um espaço democrático e plural, que está construindo novos consensos para balizar uma transição justa.

Ele foi estruturado em torno de seis diálogos regionais, reunindo líderes religiosos, artistas, comunidades locais, empresários, formuladores de políticas e ativistas.

Bogotá foi palco, ontem, do Diálogo Regional da América do Sul, América Central e Caribe.

Londres já sediou o debate na Europa e em setembro teremos encontros em Nova Délhi, Adis Abeba e Nova York.

Também estamos apoiando centenas de diálogos autogestionados em todo o mundo.

Todos os aportes serão sintetizados em um documento que será entregue aos negociadores e aos chefes de Estado e de governo.

Será a hora de os líderes mundiais mostrarem se estão realmente comprometidos com o futuro do planeta.

Não existe saída individual para a crise climática.

Não há outro meio de superá-la além do multilateralismo.

Muito já foi negociado, mas pouco foi cumprido.

Precisamos de uma nova governança mundial.

Se a ONU é o lugar que criamos para tratar dos temas mais importantes da humanidade, é lá que a mudança do clima deve estar.

Vamos trabalhar para que se crie um Conselho do Clima, capaz de mobilizar os países a efetivarem seus compromissos.

No Brasil, usamos a palavra indígena “mutirão” para nos referir a um grande esforço coletivo.

Precisamos do apoio de todos para formar um mutirão de Bogotá a Belém.

Se não houver futuro para a Amazônia e o seu povo, não haverá futuro para o planeta.

Juntos, poderemos fazer da COP 30 a COP da virada.


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