Governo Federal envia à Câmara projeto para regulação concorrencial das big techs
Resultado de dois anos de estudos, proposta é inspirada em boas práticas globais para promoção da concorrência em mercados digitais

O Governo Federal enviou à Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (17/9), Projeto de Lei que trata da regulação econômica e concorrencial das grandes empresas de tecnologia. Elaborado pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE-MF) junto a um grupo técnico coordenado pela Casa Civil, o projeto das big techs resulta de estudos realizados ao longo de dois anos e considera experiências em outros países e diagnósticos de organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A apresentação do PL pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocorreu no Palácio do Planalto, em Brasília, com a presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros ministros.
Além de Fazenda e Casa Civil, fazem parte do grupo técnico o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR).
O Ministério da Fazenda propõe ajustes no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC - Lei nº 12.529/2011 ) para que sejam inseridos novos instrumentos pró-competitividade direcionados a plataformas consideradas “sistemicamente relevantes”, de acordo com o texto do projeto, possibilitando a criação de novos mecanismos para impedir o abuso de poder econômico por grandes plataformas digitais.
O projeto busca prevenir práticas que prejudiquem a livre concorrência e garantir mais transparência, equilíbrio e liberdade de escolha, além de menores preços, a consumidores e empresas. A ideia é corrigir distorções, baratear serviços e preservar o espaço para inovação.
Segundo o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, “essas plataformas alteraram a natureza econômica e as estratégias competitivas dos mercados. O arcabouço antitruste tradicional não tem as ferramentas necessárias para lidar com as complexas dinâmicas das big techs ”. Para ele, “o que se vê, atualmente, são ecossistemas digitais cujo controle pode ficar cada vez mais centralizado com impactos sistêmicos na economia”, explica
Designação e obrigações
O Projeto de Lei cria dois processos administrativos no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade): a designação de plataformas de relevância sistêmica para mercados digitais e a determinação de obrigações especiais para as plataformas designadas. De acordo com o PL, o Cade deverá fazer essa designação a partir de características qualitativas, além de observar um piso mínimo de faturamento —acima de R$ 5 bilhões anuais no Brasil e R$ 50 bilhões em termos globais. A designação será feita caso a caso, mediante instauração de processo administrativo e sujeita à aprovação do Tribunal do Cade.
A proposta enfoca apenas grandes atores de mercado, em linha com as boas práticas globais, conforme explica o diretor de Programa da SRE-MF, Alexandre Ferreira: “Estima-se que sejam designadas de cinco a dez plataformas que operam no Brasil”. Ferreira acrescentou que poderão ser considerados fatores como número de usuários, posição estratégica para o desenvolvimento de negócios de terceiros, presença em mercados de múltiplos lados, integrações verticais (controle de diferentes etapas da cadeia de produção), acesso a grande volume de dados e poder de mercado associado a efeitos de rede.
De acordo com o PL, as plataformas poderão ser submetidas a regras prévias de transparência, obrigações, proibições e procedimentos específicos. Assim como na designação, a determinação de obrigações especiais às plataformas digitais será submetida à aprovação colegiada do Tribunal do Cade, que deverá especificar as obrigações e determinar multa em caso de descumprimento.
Está prevista, inclusive, a criação da Superintendência de Mercados Digitais (SMD), unidade especializada no Cade para tratar dos novos procedimentos relacionados às plataformas de relevância sistêmica em mercados digitais. A nova unidade será responsável por monitorar mercados digitais, instruir os processos de designação de agentes econômicos e de determinação de obrigações especiais, submetendo-os ao Tribunal do Cade, além de observar o cumprimento das obrigações e investigar possíveis violações (postulação qualificada).
Participação social
A proposta também introduz importantes mecanismos de participação social e de transparência, ao prever que a Superintendência de Mercados Digitais, antes de recomendar a designação ou a determinação de obrigações especiais, em um caso específico, realize audiência pública e conceda prazo para envio de contribuições por qualquer interessado, previamente ao encaminhamento do processo ao Tribunal.
As plataformas designadas deverão submeter relatórios de conformidade, detalhando o cumprimento das obrigações especiais a elas determinadas, que serão divulgados pela SMD. Qualquer interessado poderá encaminhar ao Cade manifestação sobre o cumprimento das obrigações especiais.
Alguns exemplos práticos de possíveis obrigações especiais são o impedimento de que a plataforma favoreça seus próprios produtos e serviços nos resultados das buscas, exigindo transparência sobre os critérios que determinam a posição de um item no topo; facilitação da portabilidade de dados para outros serviços; permissão para integração de aplicativos concorrentes; notificação ao Cade sobre aquisições de startups que possam reduzir a concorrência, entre outros.
Nos casos de desrespeito a essas obrigações, o Cade abrirá processo, investigará, ouvirá as partes e decidirá caso a caso. Todo procedimento deverá ser feito de forma transparente e com participação pública — manifestação preliminar, audiência e envio de contribuições por parte da sociedade. As decisões serão motivadas e passarão por escrutínio técnico, com espaço para defesa.
A proposta, que foca na realidade econômica brasileira, considera boas práticas globais — principalmente da Alemanha, do Reino Unido e do Japão . O projeto do Ministério da Fazenda não contempla regras referentes a conteúdos distribuídos pelas plataformas.
“O foco é o aprimoramento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. O monopólio e as práticas de algumas grandes plataformas digitais fazem com que consumidores e usuários profissionais — como empreendedores, pequenas e grandes empresas — paguem mais caro por serviços e assinaturas em aplicativos baixados nas lojas de apps como games e streaming , por exemplo, assim como por pagamentos feitos por aproximação, com os celulares”, explicou Ferreira. “Há taxas embutidas que são repassadas aos consumidores e encarecem o desenvolvimento de soluções digitais ou dificultam a oferta de serviços como carteiras digitais e o Pix por aproximação”, completou.
Histórico
Iniciados em 2023, os estudos da Secretaria de Reformas Econômicas foram aprofundados a partir de uma tomada de subsídios , realizada no primeiro semestre de 2024, que resultou em mais de 300 contribuições de 72 participantes, oriundos de oito países além do Brasil, com diversos perfis. A proposta do MF também está em linha com as contribuições técnicas enviadas pelo Cade durante o período de tomada de subsídios.
Em outubro de 2024, a SRE lançou o relatório “Plataformas Digitais: aspectos econômicos e concorrenciais e recomendações para aprimoramentos regulatórios no Brasil”, base para a proposta apresentada ao Congresso Nacional. O estudo foi vencedor no Prêmio de Redação Antitruste 2025 ( Antitrust Writing Awards , no original em inglês), na categoria Soft Law & Studie s, subcategoria Américas, em abril deste ano. A premiação é considerada uma das mais importantes do mundo para a defesa da concorrência.
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