Frente a 'chantagem tarifária', Lula conclama líderes do Brics a 'refundar' sistema de comércio
Presidente convidou líderes do bloco para uma reunião virtual, na manhã desta segunda-feira (8). Lula disse aos participantes que a estratégia do unilateralismo é dividir para conquistar, pediu cooperação e disse que os Brics têm autoridade para liderar a mudança

Líderes de países que integram o Brics participaram de uma reunião virtual na manhã desta segunda-feira (8/9) e, durante cerca de 1h30 de conversa, fizeram um balanço da atual situação mundial e compartilharam visões sobre como ampliar o comércio entre os países do bloco.
O encontro virtual ocorreu por iniciativa do presidente Luz Inácio Lula da Silva. Aos participantes, o brasileiro afirmou que países se tornaram vítimas de práticas comerciais injustificadas e ilegais e “a chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas”.
Segundo Lula a estratégia do unilateralismo é dividir para conquistar e cabe ao Brics mostrar que a cooperação supera qualquer forma de rivalidade.
“A imposição de medidas extraterritoriais ameaça nossas instituições. Sanções secundárias restringem nossa liberdade de fortalecer o comércio com países amigos”, disse.
“O comércio e a integração financeira entre nossos países oferecem opção segura para mitigar os efeitos do protecionismo. Possuímos inúmeras complementaridades econômicas. Juntos, representamos 40% do PIB global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial”, afirmou Lula.
O presidente disse que, diante da representatividade do Brics, seus integrantes têm a legitimidade necessária para liderar a refundação do sistema multilateral de comércio em bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento.
Lula afirmou ainda que o Sul Global tem condições de propor outro paradigma de desenvolvimento e de refutar uma nova Guerra Fria.
Soberania – A soberania também esteve presente no discurso de Lula. Segundo ele, quando o princípio da igualdade soberana dos estados deixa de ser observado, a ingerência em assuntos internos se torna prática comum.
Esforço pela paz – A necessidade de soluções pacíficas para conflitos mundiais em curso foi outro tema abordado pelo presidente Lula.
“No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”.
Sobre o conflito na Faixa de Gaza, ele afirmou que é urgente colocar fim ao genocídio em curso e suspender as ações militares nos Territórios Palestinos.
Participaram da Cúpula Virtual os líderes de China, Egito, Indonésia, Irã, Rússia, África do Sul, além do príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, do chanceler da Índia e do Vice-Ministro das Relações Exteriores da Etiópia.
Nota
O Palácio do Planalto divulgou uma nota à imprensa após a reunião informando que, diante da crescente instabilidade internacional, tanto no campo econômico como no político, o Brics reafirmou seu compromisso com a preservação e o fortalecimento do multilateralismo, bem como com a reforma das instituições internacionais.
“Os países do bloco realizaram um balanço abrangente da atual situação mundial. Houve consenso sobre a necessidade de avançar rumo a uma ordem internacional mais justa, equilibrada e inclusiva, capaz de refletir as transformações em curso e responder de maneira mais eficaz às demandas do Sul Global”, registrou a nota.
A nota detalha que a reunião foi também ocasião para compartilhar visões sobre como enfrentar os riscos associados ao recrudescimento de medidas unilaterais, inclusive no comércio internacional, e sobre como ampliar os mecanismos de solidariedade, coordenação e comércio entre os países do Brics.
Principais trechos da reunião
BALANÇO — Na reunião, representantes de outros países também apontaram a necessidade de avançar rumo a uma ordem internacional mais justa, equilibrada e inclusiva. “Neste momento crítico, os países do Brics, que estão na vanguarda do Sul Global, devem agir com base no Espírito do Brics de abertura, inclusão e cooperação vantajosa para todos, defender conjuntamente o multilateralismo e o sistema multilateral de comércio, promover uma maior cooperação e construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”, disse o presidente da China, Xi Jinping.
INTEGRAÇÃO - O líder sul-africano, Cyril Ramaphosa, país que está na Presidência do G20, destacou seu apoio a iniciativas que fortaleçam as economias do Brics, ampliem a integração do Sul Global e o combate à fome. “Como Brics, precisamos refletir sobre nosso papel na formação do crescimento global, no combate à pobreza global e na defesa do multilateralismo. Devemos usar nossa voz crescente para promover uma ordem global que melhore a vida de todas as pessoas do mundo e proteja o planeta para as gerações futuras”, disse Ramaphosa.
ESTABILIDADE - Na mesma linha, o chanceler da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, destacou que o mundo precisa de um ambiente estável e previsível para o comércio. “É imperativo que as práticas econômicas sejam justas, transparentes e beneficiem a todos. Quando há múltiplas interrupções, nosso objetivo deve ser protegê-lo contra tais choques. Isso significa criar cadeias de suprimentos mais resilientes, confiáveis”, disse.
POTENCIAL ECONÔMICO — O presidente Lula ressaltou o potencial econômico, comercial e demográfico do Brics. Mencionou que o grupo tem grande capacidade de industrialização verde, 33% das terras agricultáveis e 42% de produção agropecuária global. “Juntos, representamos 40% do PIB global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial. Temos entre nós grandes exportadores e consumidores de energia. O Banco do Brics contribui de forma crescente na diversificação de nossas bases econômicas e na promoção de uma transição justa e soberana”, disse.
PAZ — Ao citar os conflitos pelo mundo, Lula reafirmou o compromisso do Brasil com a solução pacífica de controvérsias. “Quando o princípio da igualdade soberana dos Estados deixa de ser observado, a ingerência em assuntos internos se torna prática comum. Sem amparo no direito internacional, os fracassos vivenciados no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria voltarão a se repetir. No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”, afirmou.
ENCONTROS INTERNACIONAIS — A Cúpula Virtual também serviu de preparação para encontros multilaterais deste segundo semestre, como a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, a COP30, em Belém (PA), e a Cúpula de Líderes do G20, na África do Sul. Lula destacou a oportunidade de que os países atuem “com uma só voz em defesa de um multilateralismo revigorado”. Mencionou a necessidade de avanço na ampliação do Conselho de Segurança da ONU, a governança democrática para avançar na soberania digital e o impacto do unilateralismo na esfera ambiental.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA - “A COP30, em Belém, será o momento da verdade e da ciência. Além de trabalhar pela descarbonização planejada da economia global, podemos utilizar os combustíveis fósseis para financiar a transição ecológica. Precisamos de uma governança climática mais forte, capaz de exercer supervisão efetiva”, pontuou o presidente brasileiro. Lula também apresentou ao Brics o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que será lançado na COP30, com o objetivo de remunerar os serviços ecossistêmicos prestados ao planeta.
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