Modelo de financiamento vai ajudar mais de 70 países a manter suas florestas em pé
"Cada um vai ter que fazer o dever de casa", destacou a ministra Marina Silva, em entrevista à Voz do Brasil, ao detalhar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, iniciativa que vai remunerar os países que mantêm suas florestas tropicais preservadas

Uma das principais entregas da COP 30, Conferência do Clima que acontece em Belém (PA), em novembro, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) pretende criar um novo modelo de financiamento para remunerar os países que mantêm suas florestas tropicais preservadas. Em entrevista ao programa A Voz do Brasil desta quinta-feira (9/10), a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), detalhou a iniciativa.
"O Fundo Florestas Tropicais para Sempre é o esforço do Brasil, como um dos detentores da maior floresta tropical do planeta, a floresta amazônica, de ajudar os demais países que têm florestas tropicais, são mais de 70 países, a que eles possam ter recursos para manter as suas florestas protegidas", afirmou.
Hoje nós temos recursos para incentivar aqueles que estão desmatando, para que parem de desmatar. Mas nós não tínhamos ainda um mecanismo para remunerar aqueles que não desmataram, porque aqueles que não desmataram, eles estão prestando um serviço para o equilíbrio do planeta", completou a ministra.
O objetivo é captar recursos de países e da iniciativa privada, pagando juros baixos, para depois usar o diferencial desses rendimentos para remunerar os países que mantêm florestas tropicais em pé. A meta inicial é levantar cerca de US$ 25 bilhões junto a governos, com potencial para ultrapassar os US$ 100 bilhões com a entrada do setor privado.
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"Os fundos soberanos dos países têm uma obrigação de botar esses recursos para os investimentos com juros baixos, na ordem de 4%. Com o TFFF, a ideia é que a gente pegue esse recurso, faça uma operação em que esse juros seja elevado para 5%, 6%, 7% e esse a mais iria compor um fundo que daria algo em torno de US$ 225 bilhões. Com isso, nós teríamos um rendimento desse fundo de US$ 4 bilhões por ano, que se destinaria para pagar para aqueles que têm excesso de floresta em suas propriedades ou em suas comunidades, já com a obrigação de 20% desses recursos irem para povos indígenas e comunidades tradicionais", explicou Marina.
Dando o exemplo, o Brasil foi o primeiro país a anunciar aportes ao fundo. O presidente Lula anunciou, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, o investimento brasileiro US$ 1 bilhão (equivalente a R$ 5,3 bilhões) na fatia de países soberanos.
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Ministra, faltam 30 dias arredondando para COP 30, ela vai começar no dia 10, oficialmente a Conferência começa no dia 10 de novembro, e uma das propostas que vai ser lançada oficialmente pelo Brasil nessa Conferência é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre. Então, eu queria que a senhora começasse falando da importância dessa proposta, o que está por trás do fundo, por que esse é um projeto tão importante para o Brasil?
Na verdade, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre é o esforço do Brasil, como um dos detentores da maior floresta tropical do planeta, a floresta amazônica, de ajudar os demais países que têm florestas tropicais, são mais de 70 países, a que eles possam ter recursos para manter as suas florestas protegidas.
Hoje nós temos recursos para incentivar aqueles que estão desmatando, para que parem de desmatar, mas nós não tínhamos ainda um mecanismo para remunerar aqueles que não desmataram, porque aqueles que não desmataram, eles estão prestando um serviço para o equilíbrio do planeta e para o equilíbrio do nosso próprio país, às vezes do nosso estado, do nosso município, porque destruir floresta é acabar com os recursos físicos, destruir floresta é criar problemas em relação ao aumento de temperatura, uma série de prejuízos.
Então, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre é um mecanismo criado a partir da lógica do próprio mercado, pegando recursos de países desenvolvidos, mas também esses recursos, alavancando recursos privados, para que a gente possa criar um fundo. Esse fundo, ele seria composto da seguinte forma. Quando nós conseguimos recursos de países desenvolvidos, nós alavancaríamos para cada dólar de doação da Alemanha, da Noruega, do Reino Unido, US$ 4 de recurso privado.
Como é que isso funcionaria? Os fundos soberanos dos países têm uma obrigação de botar esses recursos para os investimentos com juros baixos, ali na ordem de 4%. Com o TFF, a ideia é que a gente pegue esse recurso, faça uma operação em que esse juros seja elevado para 5%, 6%, 7% e esse a mais, ele iria compor um fundo que daria algo em torno de US$ 225 bilhões. Com isso, nós teríamos um rendimento desse fundo de US$ 4 bilhões por ano, que se destinaria para pagar para aqueles que têm excesso de floresta em suas propriedades ou em suas comunidades, já com a obrigação de 20% desses recursos irem para povos indígenas e comunidades tradicionais.
É um recurso que não é retornável, você não vai ter que pagar, você está recebendo porque você protege floresta. Seja em áreas de comunidade indígena ou de comunidades tradicionais de quilombolas, ou até mesmo o setor privado que tem excesso, excedente de floresta.
Ministra, quantos países poderão receber esses recursos do fundo e quais os biomas poderão ser atendidos?
Em tese, os 71 países que são detentores de floresta tropical. Claro que cada um vai ter que fazer o dever de casa, que é o compromisso de que essas áreas com floresta, elas permanecerão com floresta por um período de 25 a 30 anos, porque senão você não consegue ter o efeito de proteger o serviço que é prestado por essas florestas para o equilíbrio do planeta, ter sistemas de monitoramento por satélite para que fique comprovado que, de fato, essas florestas estão mantidas e o desmatamento não está acontecendo.
E o Brasil é um país que já tem uma grande expertise, não por acaso, nesses dois anos e meio nós conseguimos redução de 46% do desmatamento na Amazônia e de 32% no país inteiro e estamos com uma boa perspectiva de que esse ano vamos conseguir também reduzir desmatamento, em que pese todas as dificuldades. Então, em tese, os 71 países, desde que em condições que serão estabelecidas.
E, no caso, aí são beneficiados todos os biomas, não apenas a Amazônia, todos os biomas para que as florestas, sejam elas no Cerrado, na Mata Atlântica, na Caatinga, sejam devidamente protegidas.
Ministra, vamos falar um pouquinho mais sobre a COP 30, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas. Ao longo de cerca de 10 dias vão acontecer várias discussões lá em Belém e, no final, vai acontecer um documento, como ocorreu nas outras COPs. Como é que a senhora imagina que vai ser esse documento? Que pautas a senhora considera que são imperativas e que não devem ficar fora da carta esse ano?
A COP já tem uma agenda mandatada. Cada COP já recebe uma agenda obrigatória que ela tem que dar conta. Nós teremos que dar conta de meios para fazer com que a adaptação aconteça. Não apenas tomando a decisão de que os países têm que se adaptar, porque já estamos vivendo sob os efeitos da mudança do clima, e adaptar. O seguinte, você mora numa região em que é atingida pela seca, como vai fazer para que as pessoas tenham água? Você mora numa região que é atingida pela cheia, de forma avassaladora, como é que você vai fazer para que as pessoas sejam protegidas, tanto suas vidas quanto o seu patrimônio? O que é necessário para que a gente faça encosta, para que a gente faça drenagem, para que a gente faça remoção de população? A gente cria sistemas de alerta, rota de fuga. É isso que a gente está adaptado para uma situação que nós sabemos vai se repetir em função da mudança do clima.
Essa é uma agenda que nós temos que dar conta. E não é só para o Brasil, é para o mundo. Agenda de adaptação.
Como a gente vai se adaptar a esses fenômenos extremos, inclusive de onda de calor. Porque hoje, nós já temos cerca de 500 mil vidas que são perdidas a cada ano só por onda de calor. Então, é preciso criar sistemas adaptados para proteger as pessoas, principalmente os mais idosos e as crianças.
Climatizando escolas, criando espaços amplos, centros comunitários, que as pessoas possam proteger suas vidas, porque elas ficam ameaçadas, expostas a temperaturas muito altas. Como a gente vai continuar investindo para manter os incêndios criminosos que tivemos? Esse ano tivemos uma redução dos incêndios altamente potente, em função de termos tido melhora na questão climática, mas, sobretudo, por ação do governo que se preparou. Isso é nos adaptarmos para tudo isso.
No Brasil, na questão dos incêndios florestais, nós tivemos uma queda esse ano de 71%. Na Amazônia, a queda foi de 88%. No Cerrado, de 48%. No Pantanal, de 98%. É muito significativo, mas isso precisa de recursos e de muito trabalho. Então, essa é uma agenda que tem que ter. A adaptação.
A outra questão é a questão de gênero. As mulheres são as mais prejudicadas, então tem que dar um encaminhamento para a questão de gênero. Cuidar de financiamento, que é na ordem de 1,3 trilhão. E aí tem uma agenda pesada, que não está na negociação, mas tem que entrar. Que é na área de combustível fóssil, de energia renovável e da redução das emissões de gás carbônico pelas metas de redução de cada país.
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