‘Estamos considerando fortemente judicializar’, diz Marina sobre a 'Lei da Devastação'
Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima afirma que derrubada de vetos é ‘demolição sem precedentes’ na legislação e que órgãos ambientais ficarão de mãos atadas
Após o Congresso Nacional derrubar na quinta-feira (27/11) 52 vetos do presidente Lula à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, chamada por críticos de 'Lei da Devastação', eliminando ou flexibilizando regras para o licenciamento ambiental, o Governo do Brasil avalia levar a questão ao Judiciário.
A afirmação foi feita pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante o programa Bom Dia, Ministra desta sexta-feira (28/11), transmitido pelo Canal Gov, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Para a ministra, “a demolição que foi feita da legislação ambiental é algo sem precedente” e inconstitucional.
Como não se pode admitir que a população fique completamente desamparada, é fundamental considerar a judicialização e estamos considerando fortemente”.
“Porque é inconstitucional você passar por cima do artigo 225 da Constituição Federal, que diz que todos os cidadãos e cidadãs têm direito a um ambiente saudável. Com essa demolição não há como lutar para ter um ambiente saudável em um contexto tão difícil”, disse a ministra.
Com a derrubada dos vetos, são retomados dispositivos como o que autoriza o autolicenciamento para obras de porte médio, chamado de Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Essa modalidade requer apenas um compromisso dos empreendedores para liberação das obras, sem os estudos ambientais exigidos atualmente.
Com a derrubada dos vetos, Marina Silva afirmou que os órgãos de fiscalização, como o Ibama e o ICMBio, ficarão de mãos atadas.
“Só para você ter uma ideia, a licença por autodeclaração é o empreendedor dizer que ele está em conformidade com a lei em algumas situações, casos como de Mariana e Brumadinho, é o próprio empreendedor que vai dizer que ele está em conformidade com a lei. Só que na maioria das vezes, se você não tem a presença do Estado, dos órgãos públicos, criando regras e padrões, você vai ter o descontrole”, explicou.
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Liberou geral
A derrubada dos vetos permite ainda transferir a definição dos parâmetros ambientais do licenciamento da União para estados e Distrito Federal (DF); retira atribuições de órgãos ambientais como Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e limita a consulta aos povos indígenas e comunidades quilombolas afetados pelos empreendimentos.
“Quando você tem o Conselho Nacional de Meio Ambiente estabelecendo regras gerais e a partir daí os estados e os municípios se orientam, você tem um sistema que tem coerência. Dessa forma, cada estado vai achar que ele pode mudar as leis, mas ele não muda as leis da natureza. O rio que é contaminado por metais pesados em um estado será o mesmo rio contaminado em outro. Só que para um estado que é negacionista, que não respeita o meio ambiente, que não se importa com as pessoas, ele não vai ter nenhum problema em jogar o esgoto, não vai ter nenhum problema em jogar metais pesados de uma fábrica de químicos dentro do rio. Ou seja, nós estamos vivendo o caos ambiental”.
“Estabelecendo que o Conama não tem mais uma atribuição de fazer essa conformação jurídica que ele faz, aí os estados vão fazer cada um por si. Deixar e fazer o liberou geral. Então é muito complicado e ainda mais que esses empreendimentos eles podem ser em algumas situações empreendimentos de médio impacto. Como empreendimento de médio impacto, a licença pode ser dada pelo próprio empreendedor, por autodeclaração. Ele mesmo é que vai dizer se está ou não em conformidade. O estado existe, para poder estabelecer quem ou não está em conformidade com a lei. Nós até compreendemos e aceitamos que para os empreendimentos de baixo impacto, isso é possível. Agora, de médio e alto impacto, não é possível que você estabeleça que é o próprio empreendedor que vai dizer que ele está em conformidade com a lei”, afirmou a ministra.
Luto
A ministra afirmou que a derrubada dos vetos significa um retrocesso de mais de quatro décadas na construção e consolidação da legislação ambiental, que evitaram “centenas de milhares de tragédias”.
“Ver essa legislação ser demolida de uma hora para outra, o que fica é uma sensação de luto, mas um luto que deve ser acompanhado de luta da sociedade civil, da comunidade científica, de juristas que sabem que é inconstitucional muitos dos regramentos que foram estabelecidos a partir de agora. Eu tenho profundo respeito pelos poderes. Eu fui senadora, vereadora, deputada estadual e agora sou ministra. Na democracia, a gente respeita a autonomia dos poderes”.
Agora, o que foi feito foi algo que será um prejuízo enorme, econômico, social, ambiental e fragiliza, desampara a população, principalmente os mais vulneráveis, no momento em que as pessoas mais precisam de proteção, quando você tem a sua casa alagada, quando você tem a sua roça destruída por enchente”, disse
Prejuízos às exportações
Marina Silva rebateu o argumento de que leis ambientais atrapalham o crescimento econômico e defendeu que "não existe desenvolvimento sem clima equilibrado".
Ela alertou que a mudança na lei também prejudica a imagem e a realidade do Brasil no exterior. Países e blocos econômicos, como a União Europeia, podem questionar o cumprimento de compromissos ambientais, afetando a finalização do acordo com o Mercosul.
Nenhum país que está fazendo um esforço enorme para reduzir a emissão de gases de efeito estufa vai querer importar gases de efeito estufa. Se para cada produto brasileiro que nós temos que exportar, no seu processo produtivo, ele tem ali embutido toneladas e toneladas de CO2, esses produtos vão começar a sofrer restrições nos mercados”, destacou
Ao comentar a retomada da confiança internacional no Brasil, Marina Silva ressaltou que os resultados ambientais recentes foram decisivos para reabrir portas ao comércio exterior. “Os dados, que podem ser auditados por qualquer instituição de pesquisa no mundo, mostram que o desmatamento caiu por três anos consecutivos na Amazônia, que caiu 32% no Brasil, que, do ano passado para cá, nós tivemos uma queda nos incêndios, no caso do Cerrado, até o último dado que eu tive, de 48%, na Amazônia, de mais de 80%, no Pantanal, de 98%”, afirmou.
Assista à íntegra do Programa Bom Dia, Ministra
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