Na COP 30, Brasil lançará Plano de Belém, que propõe mutirão global pela saúde
Ministério da Saúde, entidades de pesquisa, acadêmicos e movimentos sociais elaboraram proposta a várias mãos, baseada em evidências científicas. Plano de Belém coloca a questão climática no centro das políticas públicas de saúde
O Ministério da Saúde brasileiro, junto com organizações nacionais e internacionais de pesquisa na área de saúde, vai propor às lideranças e delegações presentes à COP 30 um conjunto de diretrizes para gerir a saúde pública global tendo as mudanças climáticas em perspectiva. O documento, elaborado a várias mãos, com participação social e com base em evidências científicas, chama-se Carta de Belém.
Antecedendo a apresentação do plano à comunidade internacional, foi realizado na última quarta-feira (5 de novembro), o encontro virtual 339 – Seminários Avançados CRIS 2025: Saúde na COP 30. Especialistas participantes reforçaram a urgência de a comunidade global inserir as mudanças climáticas no centro das políticas públicas de saúde
O encontro reuniu representantes do Ministério da Saúde, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), da Fiocruz e de redes acadêmicas e da sociedade civil, entre eles Mariângela Simão (Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde), Daniel Buss (OPAS), Guto Galvão (CRIS/Fiocruz; EFA 2030), Danielly Magalhães (pesquisadora — cooperação com Columbia University; EFA 2030), Maurício Barreto (CIDACS/Fiocruz Bahia), Rômulo Paes (Fiocruz Minas/Abrasco; EFA 2030) e o professor e ativista indígena André Fernando Baniwa .
Desde a abertura, o tom foi de urgência e mobilização coletiva. O coordenador do CRIS, Paulo Buss , sintetizou a motivação do seminário com uma fala direta e assertiva:
Estamos diante de uma crise que não é abstrata — é uma crise que afeta a vida de pessoas, sobretudo das mais vulneráveis. É hora de colocar a saúde no centro das negociações climáticas e transformar compromissos em ações concretas. O Brasil pode e deve liderar esse movimento global, disse o coordenador
A leitura compartilhada entre os palestrantes é de que a COP30, a ser realizada na Amazônia, é mais do que uma conferência: é uma oportunidade de reposicionar o país como referência mundial na integração entre saúde, clima e justiça social.
Um plano com metas, prazos e participação social
A secretária Mariângela Simão apresentou o Plano de Ação em Saúde de Belém (Belém Health Action Plan) , construído pelo Ministério da Saúde em parceria com a OMS, a OPAS e instituições de pesquisa. Segundo ela, o documento é resultado de um processo inédito de cooperação intersetorial e interinstitucional e tem como meta fortalecer a adaptação e resiliência do setor saúde diante da crise climática.
“O Plano de Belém traduz o compromisso do Brasil com uma agenda de saúde climática justa, equitativa e baseada em evidências. Ele organiza 15 resultados e cerca de 60 ações em três linhas estratégicas: vigilância e monitoramento informados pelo clima; fortalecimento de capacidades e políticas baseadas em evidências; e inovação, produção e saúde digital. Tudo isso sustentado por dois princípios transversais — equidade e justiça climática, e governança com participação social.”
Mariângela detalhou que o plano propõe a criação de sistemas de alerta precoce, planos de segurança hídrica e alimentar, ações de proteção à saúde de trabalhadores em contextos extremos e programas de adaptação para doenças sensíveis ao clima, como dengue e malária. O “Dia da Saúde” na COP30 — marcado para 13 de novembro de 2025 — será dedicado à apresentação oficial dessas metas e ao lançamento de documentos de apoio produzidos em parceria com a sociedade civil e redes científicas.
“A COP30 será histórica. Vamos apresentar em Belém um plano estruturado, construído coletivamente e com base na ciência. O SUS não pode mais ignorar a emergência climática, e o Brasil está pronto para liderar um mutirão global pela saúde e pelo clima”, afirmou.
Ela explicou ainda que o Ministério da Saúde busca o endosso de países e organizações ao Plano de Belém, criando uma coalizão internacional para monitorar os avanços até a COP33, em 2028 .
Dados do Lancet Countdown mostram urgência sem precedentes
Em seguida, Daniel Buss, da OPAS, apresentou dados do relatório Lancet Countdown América Latina, reforçando que os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde já são mensuráveis e se intensificam rapidamente.
“Em 2023, as Américas registraram mais de 13,5 milhões de casos de dengue — quatro vezes mais do que o ano anterior. É o maior número já registrado. Ao mesmo tempo, a exposição ao calor extremo e a mortalidade associada ao calor crescem ano a ano. Crianças pequenas e idosos são os mais afetados. Isso não é uma previsão: é uma realidade.”
Buss destacou que o aquecimento recorde de 2024 agravou incêndios e inundações, ampliando as perdas econômicas e a insegurança alimentar. Segundo ele, o Brasil, o México e o Chile concentram algumas das maiores perdas financeiras por eventos climáticos na região.
A crise climática se impôs à saúde pública. Precisamos antecipar riscos, integrar dados e financiar respostas. O Plano de Belém é um farol nessa direção — um exemplo de como alinhar vigilância, governança e justiça climática.”
Ele também reforçou o papel da Aliança Transformadora de Ação em Clima e Saúde (ATA-Health) , que reúne mais de 100 países e será central na COP30 para ampliar a cooperação internacional em saúde climática.
Cidacs Clima: ferramenta brasileira para mapear vulnerabilidades regionais
O pesquisador Maurício Barreto, da Fiocruz Bahia, anunciou o lançamento da plataforma Cidacs Clima , que será apresentada durante a COP30. A ferramenta inova ao integrar grandes bases de dados epidemiológicos, ambientais e sociais para identificar vulnerabilidades regionais e projetar impactos climáticos sobre a saúde.
“O CIDACS Clima integra diferentes bancos de dados e oferece diagnósticos locais sobre riscos e vulnerabilidades. Isso permitirá que municípios se antecipem a eventos extremos, ondas de calor e surtos vetoriais, orientando políticas preventivas e economizando recursos. É informação transformada em ação.”
Barreto enfatizou que o sistema já está em fase de testes em parceria com o Ministério da Saúde e que a ideia é disponibilizar os dados para gestores de todo o país, reforçando a capacidade de resposta e adaptação do SUS.
Formação e capacidades e Cooperação Internacional
A pesquisadora Danielly Magalhães, integrante da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030) e professora da Columbia University, trouxe ao debate a importância da formação de recursos humanos e do fortalecimento das capacidades institucionais para implementar as ações previstas no Plano de Belém .
O desafio das mudanças climáticas é também um desafio de formação. Precisamos preparar profissionais da saúde, gestores e pesquisadores para lidar com dados climáticos, tecnologias digitais e comunicação de risco. A integração entre academia, serviços e comunidades é essencial para que as respostas sejam sustentáveis e situadas no território", disse Danielly.
Danielly ressaltou a necessidade de promoção de cursos e oficinas que conectam ciência, inovação e ação local, articulando redes regionais e internacionais de aprendizagem. Segundo ela, a cooperação com instituições como a Columbia University reforça a dimensão transdisciplinar da agenda de saúde e clima, ao unir saberes da epidemiologia, das ciências sociais e da economia da saúde.
“O conhecimento precisa circular. A transdisciplinaridade e o diálogo internacional não são acessórios, mas fundamentos para enfrentar a crise climática como problema de saúde global. O Brasil tem muito a ensinar e também muito a aprender nesse processo.”
Governança, participação e equidade como fundamentos da resposta
O pesquisador Rômulo Paes, da Fiocruz Minas, da Abrasco e da EFA 2030 abordou o tema da governança em saúde e destacou a necessidade de incorporar mecanismos permanentes de participação social na implementação das políticas climáticas.
“A resposta à crise climática não é apenas técnica, é política. Envolve distribuição de poder, recursos e reconhecimento de saberes. Sem participação social, sem controle social, não há sustentabilidade nem equidade.”
Paes chamou atenção para a importância de vincular o Plano de Ação em Saúde de Belém aos instrumentos de planejamento do SUS e às conferências nacionais de saúde, garantindo que as populações mais afetadas — povos indígenas, comunidades tradicionais, populações urbanas periféricas — tenham voz nos processos decisórios.
“O enfrentamento das mudanças climáticas exige um Estado presente e uma sociedade mobilizada. A COP30 será um marco se conseguir mostrar que a saúde é uma arena de democracia e de justiça climática.”
Saberes tradicionais e medicina indígena: “A terra é o que garante o bem viver”
Fechando o seminário com uma fala emocionada e repleta de simbolismo, André Fernando Baniwa , professor e ativista indígena brasileiro, trouxe a perspectiva dos povos tradicionais e da medicina indígena para o centro do debate.
Não existe mais a opção de não tratar o tema das mudanças climáticas. É imperativo que os países adotem disciplinas climáticas nas escolas e que o conhecimento tradicional seja parte da solução. Precisamos nos antecipar aos problemas de saúde provocados pelo clima.”
Baniwa destacou o trabalho da CESAI — Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde — que estará presente na COP30 e tem desenvolvido, em parceria com pesquisadores e lideranças indígenas, um programa nacional das medicinas indígenas , atualmente em fase final de construção. A iniciativa é baseada nas Conferências Nacionais de Saúde Indígena , que somam mais de 39 anos de história e, pela primeira vez, resultarão em uma política específica para o reconhecimento e valorização das medicinas tradicionais.
“As medicinas indígenas não são práticas do passado. São saberes vivos, construídos empiricamente ao longo de gerações. Quando a sociedade não indígena entende essa originalidade, cai por terra a mistificação e o preconceito que vieram com a colonização. A tradução cultural é o que permite compreender que a sabedoria tradicional é também ciência.”
Ele relatou que 400 representantes indígenas foram selecionados para participar da zona azul da COP30 , levando suas experiências e propostas para os debates oficiais. O grupo busca garantir que o documento final da COP30 reconheça as terras indígenas como fundamentais na luta contra a crise climática .
Uma terra homologada significa o bem viver dos povos indígenas — e isso também é proteção da saúde e do planeta. Nossa mensagem é de presença e reconhecimento. Se a humanidade continuar na lógica perversa do lucro, sem considerar as questões climáticas, perderemos a manutenção da vida na Terra.”
Um chamado ao futuro
O seminário Saúde na COP30 reafirmou a convergência entre ciência, política e saberes tradicionais. Ao mesmo tempo em que o Plano de Belém organiza respostas técnicas e governamentais, as falas de cientistas e lideranças como Baniwa ampliaram a compreensão da saúde climática como tema civilizatório — que une dados, direitos e culturas.
Como sintetizou Guto Galvão , também integrante da EFA 2030, ao encerrar o evento: “A presidência brasileira da COP abre uma janela de oportunidade. Temos um plano sólido, redes de pesquisa engajadas e uma sociedade civil ativa. Cabe a nós transformar esse momento em um mutirão global por saúde, clima e vida.”
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