Encontro de familiares de mortos e desaparecidos políticos destaca ações de reparação
Entrega de certidões marca os 30 anos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), em Brasília
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio da Coordenação-Geral de Apoio à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), no âmbito da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade, realizou o II Encontro Nacional de Familiares de Pessoas Mortas e Desaparecidas Políticas durante a Ditadura Militar Brasileira (II ENAFAM). A abertura do evento, que marca os 30 anos de criação da CEMDP, ocorreu em Brasília, nesta quarta-feira (3).
A cerimônia reforçou as entregas do Ministério na agenda de memória e verdade, com a entrega de 26 certidões de óbito retificadas de pessoas mortas e desaparecidas políticas, um momento de grande emoção e reconhecimento para as famílias.
Em seu discurso, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, reforçou que a retomada da CEMDP é resultado direto da atuação do MDHC, marcada pela persistência, dignidade e compromisso com as famílias.
“Após a interrupção arbitrária imposta por aqueles que flertam com o negacionismo e defendem o esquecimento, o retorno da CEMDP é um marco fundamental para este novo momento histórico da democracia popular brasileira”.
Para ela, a luta pelo direito à memória, à verdade, à justiça e à reparação “não é uma pauta de governo, é uma pauta do conjunto da sociedade brasileira e da nação, escrita com a coragem de vocês, familiares que nos ensinaram que não há futuro justo sem um passado reconhecido”, afirmou.
Eugênia Gonzaga, presidente da CEMDP, destacou a importância do evento: “Ainda vivemos em um país onde há uma gravíssima situação de desigualdade social e onde mulheres continuam a ser vitimadas pelo simples fato de existirem. Estamos aqui para honrar a memória das garotas corajosas que se embrenharam na mata para gritar contra todos os tipos de opressão. A memória de rapazes igualmente brilhantes comprometidos com um ideal maior de justiça social. É a memória deles que sempre será lembrada e homenageada”, disse.
Vozes das famílias e avanços promovidos pela Comissão
Malena Monteiro, filha do tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, assassinado pela repressão em Porto Alegre, emocionou-se ao receber a certidão retificada de seu pai. “Eu tive que esperar 55 anos para receber essa certidão. Meu pai foi assassinado quando eu tinha 16 anos, ele foi morto pelo Coronel Hipólito da Costa que era sobrinho do então general presidente Castelo Branco que foi absolvido do Supremo Tribunal Militar e foi ser advogado militar em Washington”, relembrou.
“Para mim foi uma surpresa, receber a certidão, porque eu soube do encontro anteontem. Então, eu estou super emocionada e como participei da luta da anistia por todos nós, me sinto realizada. É um ciclo que vai se encerrar. Só lamento que a minha mãe não esteja para presenciar isso, obrigada”, disse emocionada.
A filha de Jorge Aprígio de Paula, morto pela repressão no Rio de Janeiro, Shirley Ferreira, afirmou que pretende mostrar a certidão retificada aos netos e sobrinhos para dar continuidade à luta da família.
“Eu só tenho a agradecer por esse momento aqui. É difícil pra mim. Assim que eu cheguei e vi a foto dele ali no cantinho eu chorei muito, tirei foto, porque só restou eu na família. Minha mãe e meus irmãos lutaram muito e eu sou privilegiada por conseguir receber essa certidão aos 70 anos, porque são 55 anos de luta”.
Diva Soares Santana afirmou que a caminhada tem sido difícil, mas segue motivada. “Estamos falando de 30 anos dessa comissão. E vamos continuar na luta provando que só a luta constrói”.
Suzana Lisboa, que participou da CEMDP por 10 anos, relembrou as batalhas travadas pelos familiares em busca de justiça. “Nós reivindicamos e queríamos saber onde estão os nossos familiares, queremos os corpos e queremos saber como morreram e queremos a punição dos responsáveis. Isso nós queremos até hoje”, registrou.
Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil, ressaltou a ampliação das ações conduzidas pelo MDHC por meio da CEMDP, com foco em grupos historicamente invisibilizados. “A gente vive também esse momento histórico de ampliar a atuação da CEMDP, não só fazer a retomada, mas também reconhecer e dar protagonismo a grupos que são historicamente subalternizados, pessoas negras, camponesas, indígenas, então estamos na busca da construção histórica nesse momento”.
Belisário dos Santos Junior, advogado, compartilhou sua trajetória na defesa da memória, da verdade e da justiça. “Lugar de memória é onde a violação foi cometida, lugar de memória é onde a tortura foi cometida e essa luta se origina onde estão os nossos mortos e desaparecidos”, destacou.
O II ENAFAM também apresentará as ações e entregas realizadas pela CEMDP em 2025, promoverá espaços de escuta e manifestação das famílias e construirá de forma conjunta o planejamento das atividades da Comissão Especial para o próximo ano
A reprodução é gratuita desde que citada a fonte