No Brasil, setores econômicos tradicionais, como o agronegócio, recebem amplo reconhecimento devido à sua importância para o emprego e a balança comercial. No entanto, pouca gente sabe que mais de 20 milhões de brasileiros, incluindo trabalhadores rurais, estão envolvidos direta ou indiretamente com atividades ligadas ao mar, na chamada Amazônia Azul, que engloba uma área de aproximadamente 5,7 milhões de quilômetros quadrados de águas sob domínio brasileiro, e desempenha papel central na economia nacional.
Nesse espaço, são produzidos mais de 95% do petróleo e 85% do gás natural consumidos no País, além de ser a principal via para o transporte de 95% das exportações brasileiras. Por lá, empregos são fomentados em áreas como pesca, turismo, construção naval, petróleo e gás, transporte marítimo, entre outras.
Por tamanha importância, celebra-se o Dia Nacional da Amazônia Azul em 16 de novembro, conforme a Lei nº 13.187/15. A data foi escolhida para coincidir com a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, documento do qual o Brasil é signatário.
A expressão “Amazônia Azul” foi criada pela Marinha do Brasil em 2004, com o objetivo de aumentar a conscientização pública sobre a importância das extensas áreas marítimas sob jurisdição nacional, que são ricas em biodiversidade e recursos naturais. Assim como a floresta Amazônica, que é amplamente reconhecida como patrimônio ambiental vital, a “Amazônia Azul” busca valorizar os ecossistemas marinhos. A data também simboliza os esforços para promover uma “mentalidade marítima” no Brasil, uma conscientização que envolve tanto a sociedade quanto os governantes sobre o valor estratégico das atividades ligadas ao mar.
A pesquisadora Andréa Carvalho, professora da Universidade Federal do Rio Grande (RS) e uma das organizadoras do livro Economia Azul – Vetor para o Desenvolvimento do Brasil, afirma que produtos que impulsionam a economia nacional, desde insumos agrícolas até maquinários, dependem do transporte marítimo para alcançar mercados internacionais. Carvalho defende que é essencial incorporar a “mentalidade marítima” no cotidiano dos brasileiros para que a população reconheça a importância das atividades relacionadas ao mar.
Relevância da Economia Azul
Atualmente, o Brasil possui cerca de 81 milhões de trabalhadores formais e informais. Aproximadamente 25% deles têm alguma conexão com o setor marítimo ou com atividades que dependem do transporte marítimo. Dentre as atividades diretamente vinculadas ao mar, destacam-se a pesca, o turismo, a indústria naval, o transporte marítimo, além da exploração de petróleo e gás, com aproximadamente 2,4 milhões de pessoas empregadas nessas áreas. Outros 18 milhões de trabalhadores estão envolvidos indiretamente, contribuindo para cadeias produtivas como o transporte de mercadorias ou a importação de insumos.
A contribuição da Amazônia Azul para o Produto Interno Bruto (PIB) é expressiva. A “Economia do Mar”, que engloba atividades marítimas diretas e aquelas desenvolvidas nas regiões costeiras, representa cerca de 29% do PIB do País. Deste total, 13% vêm da faixa oceânica e 16% das atividades costeiras. Se incluirmos também os usos das águas interiores, como as bacias hidrográficas, esse número pode superar 80% do PIB, dada a importância dessas áreas para o transporte de mercadorias e a geração de energia.
O PIB do Mar
Em 2017, a ONU proclamou o período de 2021 a 2030 como a “Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”, com o objetivo de conscientizar o mundo sobre a importância dos mares. A Marinha do Brasil calcula que a contribuição do oceano à economia nacional já ultrapasse R$ 1,74 trilhão. Além disso, os mares do País são responsáveis por 45% do pescado consumido internamente e 95% da comunicação via internet, por meio de cabos submarinos que interligam o Brasil ao resto do mundo.
A Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), da Marinha do Brasil, está realizando estudos sobre o “PIB do Mar” com apoio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O objetivo é mapear os diversos setores da Economia Azul e estabelecer uma metodologia robusta de cálculo, de modo a quantificar sua contribuição para o PIB de maneira mais eficaz. Esse trabalho visa promover a exploração sustentável dos recursos marinhos e fortalecer as iniciativas da Marinha, que também têm um impacto significativo no desenvolvimento econômico e na segurança nacional.
O pós-doutor em Economia Azul e coordenador do Grupo Economia do Mar, Prof. Dr. Thauan Santos, explica que houve uma mudança significativa na economia brasileira, de modo geral, que naturalmente se reflete nos setores da economia do mar. “Sem dúvida, alguns setores já tinham um peso importante, pela sua produção, link com outras cadeiras produtivas e geração de emprego, como a indústria de petróleo e gás offshore. Com o amento da demanda, o avanço tecnológico e a descoberta do pré-sal, o peso relativo deste segmento ganha relevância nacional.
Segundo o professor, na tendência de outros países mais desenvolvidos, que têm apostado em segmentos não-tradicionais, o investimento em setores emergentes tem sido amplamente difundido no mundo. No caso do Brasil, destaca-se a discussão nacional e o interesse do setor privado sobre as eólicas offshore, particularmente na região do Nordeste do País.
Turismo e Portos
O turismo, em especial aquele relacionado às áreas litorâneas e ao mar, é um dos segmentos econômicos de maior crescimento global. De acordo com o World Travel & Tourism Council, o Brasil ocupa a 11ª posição no ranking mundial de economia de turismo, movimentando US$ 59 bilhões anualmente. Com cerca de 7.000 km de litoral, o País é considerado tendência, já que pesquisas indicam que o “sol e mar” são as principais atrações para os turistas estrangeiros.
Neste ano, o ministro do Turismo, Celso Sabino, informou que a participação do setor no produto interno bruto (PIB) brasileiro é de 8%, e que a meta é chegar aos dois dígitos. Fundamental para a economia de muitas regiões costeiras, é necessário promover o desenvolvimento sustentável para preservar os ecossistemas que sustentam essa atividade.
Os turistas internacionais que visitaram o Brasil durante o ano de 2023 deixaram por aqui o montante recorde de US$ 6,9 bilhões (R$ 34,5 bilhões), segundo dados do Banco Central. O valor supera em 1,5% a maior arrecadação com o turismo internacional, registrada em 2014, ano que o país sediou a Copa do Mundo de futebol. Uma década atrás, os visitantes estrangeiros deixaram um total de US$ 6,8 bilhões na nossa economia.
Os portos também são uma peça chave na Economia Azul. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) estima que, de janeiro a setembro de 2024, os portos brasileiros já movimentaram 997,9 milhões de toneladas de produtos (entre granel sólido, granel líquido, contêineres e carga geral), o que configura 3% a mais do que no mesmo período do ano passado, quando foram movimentadas 971,1 milhões de toneladas.
De modo geral, os portos são responsáveis por 95% das exportações e 70% das importações do Brasil, sendo o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (MA) o que mais movimentou cargas. Destas, destacam-se os minérios de ferro, petróleo e derivados, soja e contêineres gerais.
Setor Pesqueiro
A pesca marinha, que produz cerca de 500 mil toneladas anualmente, representa também um setor com grande potencial de crescimento, tanto no Brasil quanto no exterior. É uma área que gera bilhões de reais em exportações e é responsável por milhões de empregos, diretos e indiretos. Além disso, o setor de pesca tem atraído investimentos, especialmente em iniciativas sustentáveis e de exploração responsável dos recursos pesqueiros.
A última edição do relatório “O Estado Mundial da Pesca e Aquicultura” (SOFIA, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura, indica que a produção mundial de pesca e aquicultura em 2022 elevou-se a 223,2 milhões de toneladas, 4,4% a mais que em 2020. A produção incluiu 185,4 milhões de toneladas de animais aquáticos e 37,8 milhões de toneladas de algas.
Segundo a publicação, o recorde de alimentos de origem aquática destaca o potencial do setor para combater a insegurança alimentar e a má nutrição. O consumo aparente mundial de alimentos (estimativa da quantidade total de um produto disponível para consumo em um período) de origem aquática alcançou 162,5 milhões de toneladas em 2021. Esta cifra aumentou a um ritmo quase duas vezes superior ao da população mundial desde 1961, com um consumo mundial anual per capita que passou de 9,1 kg em 1961 para 20,7 kg em 2022.
Toda essa potência ligada a Economia do Mar, ganhou no País um instrumento de ordenamento espacial e temporal de atividades marítimas, de modo a atingir objetivos econômicos e socioambientais, denominado Planejamento Espacial Marinho, cujo desenvolvimento é fruto de um compromisso brasileiro junto à ONU de tê-lo estabelecido no Brasil até 2030. Espera-se que ao ser plenamente implementado, sob a coordenação da MB e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e contando com parceiros como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), possa funcionar como um propulsor para a Economia Azul.
Esta quarta matéria da série especial “20 anos da Amazônia Azul”, que abordou a vertente econômica da Amazônia Azul. Amanhã, os leitores conhecerão detalhes sobre a vertente soberania. Para ler as três primeiras matérias, clique aqui .