'A cultura nos lembra que somos mais frágeis que o restante da natureza', alerta Daniel Munduruku
Paralelo às reuniões do GT de Cultura do G20, Seminário Internacional de Cultura e Mudança do Clima é realizado em Salvador (BA)
O segundo dia do Seminário Internacional Cultura e Mudança do Clima começou com o painel Cultura, cosmologias e clima: construindo pontes entre cosmovisões para um futuro sustentável, com a participação de Daniel Munduruku (Brasil)
Patricia Pinho (Brasil), Fabio Scarano (Brasil), Nancy Mangabeira (Brasil) e Tomas Saraceno (Argentina) nesta terça-feira (5). O encontro foi mediado pelo secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro.
Traçando um retrospecto da atual situação climática no mundo e pensando em perspectivas para o futuro, o indígena paraense, escritor e doutor Daniel Munduruku, falou sobre como as populações originárias detêm culturas capazes de preservar a natureza.
“Quando os problemas estão grandes chamam os bombeiros. Agora, com as crises climáticas, nós indígenas somos chamados. A narrativa de destruição do mundo está muito presente nos povos do mundo inteiro e quem salva os humanos, é a própria natureza. A ajuda da natureza precisa achar abertura dos humanos para fazer a mudança do comportamento”, disse.
“Cuidar da natureza é para hoje. Não é para futuro. A cultura nos lembra que somos mais frágeis que o restante da natureza. Não perguntamos a uma onça o que ela vai ser quando crescer. A natureza já está pronta e precisa ser respeitada. Nós humanos sempre achamos que as respostas estão no futuro. Mas a questão é o hoje, o que estamos fazendo agora?”, provocou.
O aquecimento global e níveis preocupantes de elevação da temperatura na terra, foram expostos pela pesquisadora Patricia Pinho. Doutora em ecologia e diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a pesquisadora utiliza as lentes de sistemas sócio-ecológicos para análises de alteração de serviços ecossistêmicos, bem-estar humano, governança, impactos, vulnerabilidades e adaptação às mudanças climáticas.
“O aquecimento global é antropogênico, é possível que alcance 1,5 °C entre 2030 e 2052. Temos assimetrias de como isso é experimentado. Há regiões que podem sentir um aumento de até 4 °C. As mudanças aumentam os desafios crônicos e potencializam as desigualdades sociais. Há perdas econômicas e não econômicas relevantes para a compreensão da própria existência. As perdas não econômicas, que envolvem a cultura, não são facilmente recuperadas e podem ser eliminadas. Já vemos as pessoas em regiões vulneráveis interagindo com crise humanitária e fazendo deslocamento forçado”, alertou.
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Natureza, cultura e sacralidade
Para a professora universitária e filósofa brasileira, Nanci Mangabeira, o futuro da justiça climática está no reconhecimento da natureza como uma sacralidade. Mangabeira, que possui um vasto histórico de ativismo climático, tendo participado da ECO-92, o momento é de agir.
“Chegamos a uma situação limite enquanto planeta. Nos chama a urgência de pensar e repensar as raízes dessa crise e caminhos que podem nos conduzir a caminhos melhores. Para realizar a travessia de um momento tão grave, temos que tomar decisões de rumos para o planeta. Reconhecer a natureza como elemento sagrado e não como objeto de manipulação para o ser é um dos caminhos. Nessa dimensão o homem também é sagrado e compõe o ecossistema”, afirmou.
Corroborando Nanci, Fabio Scarano, doutor em ecologia na Universidade de St. Andrews, Escócia, destacou que tudo que reconhecemos como sagrado e sentimos como tal, exprimimos cuidados. “Separamos arte, espiritualidade e natureza, mas está tudo interligado. A percepção da sacralidade da natureza é fundamental para inspirar cuidados. Tornamos tudo commodities e criamos desconexão. É tudo rápido, acelerado e desconectado”.
Para mudar o cenário climático, Scarano defende que cultura e ciência sejam sinônimos. “Quando separamos cultura e ciência erramos. Cultura é conhecimento e precisa tá com a ciência. Temos um paradoxo: reconhecemos o problema climático, mas não temos ação porque não sentimos. E para sentir é preciso ter cultura e arte. Essa coisa que tá dentro de nós, é o que transforma. Precisamos sentir. Queremos mudança no mundo, mas não queremos mudar”, observou.
O artista argentino Tomas Saraceno, conhecido por suas instalações que dialogam com passado e contemporaneidade, trouxe alguns encantamentos na relação da natureza e do homem. Ele falou sobre uma de suas experiências em Moçambique, em uma comunidade local, que as pessoas desenvolveram formas de extrativismo sustentável, com ajuda de pássaros que sinalizavam árvores que podiam ser usadas. “A comunicação entre humanos e pássaros é real, ela exige uma sensibilidade de quem está naquele território. O cuidado e preservação da natureza vem através do relacionamento interespécies”, pontuou.
O Seminário Internacional sobre Cultura e Mudança do Clima é uma realização do Ministério da Cultura em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Organização de Estados Ibero- Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI), com apoio do Governo da Bahia, da prefeitura de Salvador, do BYD, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e patrocínio do YouTube.
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