COP 29: como o Brasil calculou sua nova meta de redução de gases de efeito estufa
Projeções de cenários com diferentes trajetórias consideraram a realidade brasileira e o melhor custo x efetividade das medidas de mitigação; dados embasaram tomada de decisão
O Brasil submeteu a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) à Convenção do Clima na quarta-feira (13), em Baku, durante a COP29, em Baku, no Azerbaijão. O documento apresenta meta de reduções de emissões de gases de efeito estufa para 2035 e detalha quais as medidas estão sendo adotadas para atingir o compromisso voluntário. A meta de redução entre 59% e 67% de redução de GEE, comparado aos níveis de 2005, envolve todos os setores da economia ( economy-wide ). Os números são consistentes com uma redução absoluta entre 1,05 e 0,85 GtCO2e, conforme o inventário nacional mais recente.
“A comunidade científica brasileira mais uma vez respondeu às demandas e aos desafios postos, contribuindo com sua expertise junto com o investimento feito pelo Estado em prol da sociedade”, afirmou a secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Andréa Latgé.
A área de clima da pasta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação trabalhou ativamente em todo o processo de construção da nova meta voluntária, coordenando o esforço de modelagem, que projetou cenários com diferentes trajetórias e apoiou a tomada de decisão. Além da NDC, os resultados do processo vão apoiar a tomada de decisão para a definição da estratégia nacional e dos planos setoriais de mitigação.
A NDC contempla a visão em sistemas de ciência e tecnologia para o processo de decisão e para a implementação. “O Brasil reafirma o comprometimento com a melhor ciência disponível”, diz um trecho do documento que reconhece a mudança do clima como um assunto complexo que requer tratamento holístico, transversal, integrada e multidimensional, considerando ambiente, economia e sociedade de modo interconectado e interdependente.
Especialista em planejamento energético e líder do Centro de Economia Energética e Ambiental (Cenergia) da COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Schaeffer, classifica a nova meta como ‘bastante ambiciosa’. “Ela [a meta] acelera a velocidade de redução de emissões do Brasil, quando se compara com o que o país já havia se comprometido nas NDCs anteriores para os anos de 2025 e 2030”, explica.
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A meta anterior propunha emissões de 1,32 GtCO2e em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030. Havia uma redução de cerca de 100 MtCO2eq em cinco anos, de 2025 para 2030. Agora, para o período entre 2030 e 2035, que também abrange cinco anos, a proposta é reduzir as emissões entre 150 MtCO2e (no caso do valor superior de 1,050 GtCO2e) e 350 MtCO2e (no caso do valor inferior de 850 MtCO2eq). “A velocidade das reduções se acelera, e como tal a ambição aumenta”, detalha Schaeffer.
O especialista argumenta que a ambição também é expressa ao adotar números em dióxido de carbono equivalente (CO2e). “Isso significa que todos os gases de efeito estufa estão contemplados. Para além do CO2, inclui metano e óxido nitroso”, detalha. Segundo Shaeffer, o óxido nitroso e o metano, são gases muito associados à agricultura e a pecuária, setores de difícil abatimento das emissões pela importância que têm para a economia nacional. “Inclusive, por causa disso, em alguns casos, até emissões negativas de CO2 podem vir a ser necessárias nas áreas de energia e de uso da terra para compensar parte das emissões positivas de metano e óxido nitroso da agricultura e pecuária brasileiras”, explica.
O Cenergia foi contratado, sob coordenação do MCTI, para executar os cenários com as trajetórias mais eficientes para atingir os compromissos de 2030, 2035 e a neutralidade de emissões em 2050. O esforço utilizou o modelo matemático nacional integrado BLUES (acrônimo para Brazilian Land Use and Energy System ), que analisou simultaneamente todos os setores da economia para chegar uma solução de mínimo custo com uma trajetória que cumpra a missão de neutralidade de emissões de GEE em 2050. Todas as premissas utilizadas e as políticas nacionais mais relevantes adotadas foram definidas em conjunto com os ministérios envolvidos na construção do Plano Clima – Mitigação. “Fez-se uso do estado da arte de ferramentas matemáticas na área de mitigação das mudanças climáticas”, avaliou o pesquisador.
O especialista em planejamento energético afirma que o trabalho científico que apoiou o governo brasileiro para a construção da NDC pode servir de exemplo para outros países ‘pela robustez’ e pelo ‘realismo baseado na ciência’. “Espero que a meta possa ser vista no contexto maior de seu detalhamento para os diferentes setores da economia e dinâmica, na medida em que o trabalho produziu trajetórias de mitigação até 2050”, afirmou.
Sistema Nacional de Transparência
A nova NDC destaca a contribuição do Sistema Nacional Brasileiro de Transparência que será implementado por meio do DataClima+, que vai reunir as bases de informações dos sistemas existentes com o objetivo de produzir alta qualidade de informação climática. A medida responde às novas necessidades de dados e informações requisitadas pela Estrutura de Transparência Aprimorada (ETF) do Acordo de Paris. A partir deste ano, as submissões dos relatórios de transparência deverão ser realizadas a cada dois anos. Entre os dados enviados estão o Inventário Nacional, o monitoramento do progresso da NDC e informações sobre impactos, vulnerabilidades e adaptação.
A NDC detalha ainda as necessidades tecnológicas nacionais para redução de emissões, cujas tecnologias foram priorizadas por meio do relatório de avalição de necessidades para implementação de planos de ação climática no Brasil. O esforço do TNA_Brazil identifica áreas estratégicas e prioritárias, considerando critérios multifatoriais, para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris.
O documento também destaca o apoio científico que foi implementado institucionalmente a partir de 2023 com a incorporação de uma câmara científica no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), do qual faz parte a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima).
Acesse aqui a íntegra da Segunda NDC do Brasil submetida à UNFCCC.
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