Seminário debate desafios para moradores de imóveis tombados no Brasil
Evento promovido por Iphan e Ipea discute vulnerabilidade social, judicialização e acesso a políticas públicas de conservação do patrimônio histórico

Atualmente, o Brasil conta com cerca de 1,2 mil bens tombados, entre igrejas, palácios, teatros, museus e também residências particulares localizadas em centros históricos. Muitas dessas casas são ocupadas por famílias de baixa renda, que frequentemente não dispõem de recursos para realizar a restauração necessária — uma exigência especial devido ao valor histórico desses imóveis.
Para debater esse tema, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) promoveram o seminário “Hipossuficiência e Patrimônio Cultural: uma agenda atravessada pela judicialização”. O evento ocorreu nos dias 4 e 5 de agosto, no auditório do Iphan, reunindo interessados no assunto, além de representantes do Ministério Público (MP), da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério das Cidades (MCID), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).
Na abertura, o presidente do Iphan, Leandro Grass, destacou que o cuidado com o patrimônio cultural está interligado a políticas urbanas, habitacionais, ambientais e a diversas outras políticas públicas. Ele disse ainda que o trabalho do Iphan contribui para a justiça social. “Reduzimos desigualdades quando a política funciona, não apenas no âmbito da conservação e do restauro, mas também no atendimento às comunidades tradicionais, na promoção da educação patrimonial e na regulamentação da patrimonialização das comunidades quilombolas”, afirmou.
Grass ressaltou ainda o papel do Programa Conviver, iniciativa do Iphan que oferece assistência técnica gratuita para obras de conservação em imóveis tombados ou localizados em conjuntos urbanos protegidos, habitados por famílias de baixa renda. “Apoiamos a erradicação da pobreza com ações como essa. Ainda há a visão equivocada de que a política de patrimônio é uma política de glamour. Na verdade, ela está enraizada no chão da sociedade. Nosso papel é muito importante para o cidadão”, completou.
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O ponto de partida do evento foi a pesquisa em andamento realizada pelo Ipea em parceria com o Iphan sobre a regulamentação do artigo 19 do Decreto-Lei nº 25/1937, que trata da possibilidade de intervenção do poder público na conservação de bens tombados, nos casos em que os responsáveis se mostram impossibilitados de realizar as obras necessárias. A conferência analisou temas como vulnerabilidade, atuação estatal e judicialização.
Nesse contexto, um dos conceitos centrais discutidos foi o de hipossuficiência. De acordo com o estudo do Ipea, o termo refere-se, em geral, à condição de fragilidade ou vulnerabilidade econômica, social, técnica ou jurídica de um indivíduo ou grupo — em relação a outros indivíduos, empresas ou contextos socioespaciais. A análise envolve ainda fatores como renda, acessibilidade e capacidades individuais e coletivas.
O debate sobre o acesso ao direito à restauração, reparação e conservação de moradias situadas em conjuntos urbanos tombados também abordou a judicialização, termo que designa a intervenção do Judiciário quando demandas não são atendidas por outros órgãos públicos.
Na área da saúde, por exemplo, isso ocorre quando um cidadão, ao não conseguir um medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), recorre à Justiça. No campo do patrimônio cultural, manifesta-se quando um indivíduo ou o Ministério Público acionam o Judiciário para garantir a restauração de sua residência protegida por tombamento.
Pessoas que atendem aos critérios de hipossuficiência podem ser beneficiadas por políticas públicas de restauração de imóveis tombados. A presidente do Ipea, Luciana Servo, informou que o instituto possui uma área dedicada ao estudo da judicialização do patrimônio, que analisa propostas para lidar com essa questão. Ou seja, ferramentas que auxiliem o juiz a resolver uma demanda como essa. “Produzimos indicadores para consumo público que auxiliam nas discussões, como critérios de priorização”, explicou.
“Um desses critérios é o índice de vulnerabilidade social, que tem sido cada vez mais utilizado por políticas públicas para priorização. Temos a responsabilidade de compreender as vantagens e os limites desses critérios para o ordenamento das políticas públicas”, disse Luciana.
Durante as mesas temáticas, foram discutidas ainda a dimensão política da hipossuficiência e a efetivação de direitos, além das várias dimensões do conceito — seus indicadores e implicações institucionais. Também foram abordados o direito fundamental à moradia, a função social da propriedade urbana e a preservação do patrimônio histórico e cultural como direitos ligados à identidade, à memória coletiva e à dignidade do povo.
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