Em debate no Clad, Cármen Lúcia associa crise climática ao problema da fome
Desafios do Estado para um desenvolvimento inclusivo e sustentável foram temas de mesa redonda que abordou a contradição entre demandas imediatas e soluções de longo prazo
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou que a crise climática ameaça a sobrevivência no planeta e está diretamente conectada a problemas como a fome, questão que classificou como uma injustiça inaceitável. Ela participou, na manhã desta quarta-feira (27/11), ao lado da ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, de mesa redonda no segundo dia do 29º Congresso Internacional do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (Clad), realizado na Enap, em Brasília (DF). A mesa redonda discutiu os desafios do Estado para alcançar um desenvolvimento inclusivo e sustentável.
“Em uma sociedade verdadeiramente civilizada, ninguém deveria dormir sem saber o que comerá amanhã”, disse a ministra. Cármen defendeu que o enfrentamento desses desafios deve envolver a ação de gestores, legisladores e, especialmente, juízes constitucionais. Esses atores têm, na visão dela, o dever de garantir os direitos fundamentais assegurados pela Constituição.
Perante os questionamentos da ministra do STF, Esther destacou que o país vive a tensão entre mudanças de governo e a estabilidade do serviço público. Por isso, seria fundamental que o Estado estivesse bem estruturado e capacitado para responder às demandas da população, independentemente de quem esteja no poder. Esther ressaltou que a Constituição já traça as diretrizes de médio e longo prazo para o Estado brasileiro, enquanto os governos têm o papel de atender às demandas imediatas e urgentes, como fome e pobreza.
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“Embora mudanças nos enfoques sejam naturais a cada gestão, é crucial preservar a burocracia como instrumento essencial para a continuidade e eficácia do Estado. A capacidade técnica e institucional deve ser fortalecida, garantindo que políticas públicas respeitem os preceitos constitucionais e atendam às necessidades da população no curto, médio e longo prazo. Por fim, precisamos superar debates simplistas sobre o que é ou não uma atividade típica do Estado e reconhecer o papel abrangente que ele deve desempenhar, especialmente em áreas fundamentais como saúde, educação e desenvolvimento sustentável”, disse a ministra.
A Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, estabelece um marco fundamental: os direitos não são meras recomendações, mas leis que devem ser cumpridas. “O mínimo existencial, que garante a dignidade humana, e a reserva do possível, que exige do Estado priorizar recursos para atender esses direitos, são princípios inegociáveis”, destacou Cármen. A ministra do STF defendeu que políticas que promovam o egoísmo, a má gestão de recursos públicos ou a destruição ambiental são inconstitucionais. “Construir uma sociedade livre, justa e solidária, conforme o artigo 3º da Constituição, deve ser nossa diretriz. Nosso compromisso é com um país que enfrente desigualdades, respeite o meio ambiente e promova dignidade para todos”, afirmou Cármen. A ministra do STF também reforçou que, como cidadãos e servidores da justiça, há a responsabilidade de cumprir e proteger esses princípios com humanidade e ética, compreendendo que o verdadeiro desenvolvimento vai além do básico. Ele deve incluir cultura, inclusão e oportunidades.
A mesa redonda foi mediada pelo coordenador-geral do Clad, Conrado Ramos, que destacou o desafio central do debate: criar políticas públicas que sejam inclusivas, reduzam desigualdades e garantam sustentabilidade a médio e longo prazo. “Frequentemente, enfrentamos uma aparente contradição entre atender demandas de curto prazo, essenciais para a sobrevivência política, e planejar soluções de longo prazo”, observou. Ramos provocou os participantes com duas questões centrais. A primeira delas a respeito do enfrentamento do dilema entre necessidades imediatas e metas sustentáveis e a segunda relacionada a quais estratégias podem conectar ações locais, regionais e supranacionais, assegurando uma governança eficaz.
O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn, também participou da mesa redonda e destacou a contradição entre curto e longo prazo, uma questão presente nas instituições de Estado, que têm impacto duradouro no bem-estar da sociedade. Embora a atenção ao curto prazo seja crucial, muitas vezes as soluções são temporárias. Ele exemplificou isso com o caso do Banco Central, onde vários avanços implementados ao longo do tempo, como o Pix, surgiram de gestões anteriores, mostrando como os períodos se entrelaçam.
Outro exemplo mencionado por ele foi a experiência internacional, onde atua como intermediário entre governos. Em muitos casos, projetos iniciados por uma gestão precisam continuar sendo desenvolvidos pela próxima, pois não se completam dentro do ciclo eleitoral de quatro ou cinco anos. Projetos significativos geralmente demandam uma visão de médio a longo prazo, onde mudanças estruturais podem levar mais tempo para se concretizar. A reflexão, portanto, é que é preciso ter uma visão estratégica de longo prazo, sem negligenciar as necessidades imediatas.
A mesa redonda “Estado e Políticas Públicas: Desafios para um Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável” também contou com a experiência da representante de Barbados no Brasil, Gail Atkins e da Secretária de Estado de Função Pública do Ministério da Política Territorial e da Função Pública da Espanha, Clara Mapelli, que participou de forma virtual.
Sobre o Congresso do Clad
O 29º Congresso Internacional do Clad sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, realizado entre os dias 26 e 29 de novembro, em Brasília (DF), é promovido pelo Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (Clad) e realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em parceria com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Com 150 horas de atividades na programação, o Congresso contará com mais de 700 participantes, incluindo ministras e ministros de diversos países, secretários de Estado, parlamentares, servidores públicos, sindicalistas e especialistas internacionais. Os debates e sessões têm como objetivo discutir temas como inclusão, democracia e inovação na gestão pública, alinhados às transformações necessárias para tornar o Estado mais eficiente e inclusivo.
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